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PRÊMIO MARCANTONIO VILAÇA HOMENAGEM
“TODO MUNDO SABE QUE CIDADES FORAM FEITAS PARA Stoermer para denominar a Era geológica efeito da atuação
SEREM DESTRUÍDAS”. Essas palavras grudaram em meus humana no globo — ou do Capitalocene — como proposto por
pensamentos sobre a obra Circa, montada pela artista Anna Andreas Malm, dimensionando politicamente essas questões
Bella Geiger na 16ª Bienal de Istambul. Circa traz significados contemporâneas . As guerras motivadas por interesses eco-
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semânticos e poéticos de um tempo incerto, algo ocorrido para nômicos entrecruzados com problemas religiosos, os impactos
o qual não há precisão de datas. Geiger produz uma instalação nas infraestruturas de recursos básicos e nos modos de vida
na qual se conjugam construções efêmeras – realizadas em existentes em diversas regiões do planeta compõem a con-
areia, cimento seco, terra — e objetos pré-fabricados —, como temporaneidade. Circa traz essa dimensão.
uma pequena réplica de uma casa Bauhaus, um trenzinho e A obra foi montada no prédio projetado por Emre Arolat, que
pedaços de vidro que formam uma piscininha. Há, ainda, um a partir de 2020 abrigará o Museu de Pintura e Escultura de
vídeo construído em conversação com a ópera Akhnaten de Istambul. Ali também foi exibido, entre outros trabalhos, o vídeo
Philip Glass. O Peixe (2016), do alagoano Jonathas de Andrade. Adentrando
A primeira instalação da obra foi realizada como parte do o prédio, é impossível desconsiderar as vistas das numerosas
Projeto Respiração (2006), na Casa Museu Fundação Eva janelas. Da grande maioria delas o que se pode ver no exterior
Klabin, Rio de Janeiro, com curadoria de Marcio Doctors. A são trabalhadores, andaimes e estruturas inacabadas. Forma-se
escolha dos materiais faz com que o trabalho ganhe, a cada um canteiro de obras em meio às águas do Bósforo, prédios e
montagem, características singulares. Entre as especificidades mesquitas, que compõem a paisagem da região, no momento
da montagem de Istambul estão as estradas de areia branca, passando por um grande projeto de reurbanização.
inspiradas nas vistas áreas durante a vigem do Brasil para A arquiteta e artista Laura Nakel conta que “a transformação
Turquia: “Eu notei essas estradas no meio do deserto. Esse do antigo Armazém n˚5 na orla da região de Karaköy em Museu
traçado das estradas eu não tinha feito em nenhuma das compartilha características com grandes empreendimentos
instalações anteriores”, diz Anna Bella Geiger. recentes, como o Puerto Madero em Buenos Aires, o Porto
Elaborações poéticas a partir de mapas, arquiteturas e espacia- Maravilha no Rio de Janeiro e o V&A Waterfront na Cidade
lidades são marcantes na prática artística de Geiger. Em Circa, do Cabo”.
essas discussões ganham a forma de uma cidade fantástica/ A produção de Circa nesse local tem como efeito um questio-
fantasmagórica com configurações temporais-espaciais desco- namento sobre as relações entre o dentre o fora do Museu.
ladas de periodizações lineares. Para a pesquisadora e artista A cidade em ruínas de Geiger faz pensar nas construções
Ana Hortides, que realizou uma série de montagens da obra, de Istambul e vice-versa. Como lembra Geiger, Circa lida
incluindo a da Bienal de Istambul, “Circa apresenta uma espécie com “questões relativas à espiritualidade, memória, histó-
de cidade que mescla, à primeira vista, diferentes culturas e ria e estórias, em uma dimensão de um espaço tempo que
espaços temporais em situação de ruínas, ou aparentemente, se estende”. Na cidade de Istambul, todas essas questões
próximas a ruir”. ressurgem na própria estruturação do espaço urbano, por
A fragilidade da matéria e as construções arquitetônicas em vezes em dimensões catastróficas. Nakel lembra que na
desmanche trazem uma sensação de destruição, de um ter- região do Museu ocorre “um processo que começa nos anos
ritório sendo devastado. Geiger lembra que a primeira cons- 1990, no qual galerias e coletivos de arte ocupam os antigos
trução de Circa estava envolta no imaginário da Ocupação do armazéns abandonados iniciando um processo de gentrifi-
Iraque – que ocorria três anos antes – adensando, por meio das cação da região, intensificado com a chegada dos grandes
palavras, as sensações de devastação operadas pelas formas investidores privados”.
e as matérias da instalação. Na travessia entre continentes, entretanto, as construções
Os sentidos da obra expandem-se na situação da Bienal de de Circa ganham uma outra camada de possibilidade: de uma
Istambul, que com curadoria de Nicolas Bourriaud leva o título transformação esperançosa. Para Hortides, “a inclusão de
O Sétimo Continente. A expressão se refere a uma área flu- uma terra molhada, viva e aparentemente fértil faz com que
tuante no Oceano Pacífico de três milhões e quatrocentos na montagem da Bienal de Istambul a passagem do tempo
mil quilômetros quadrados composta por sete milhões de contenha um pouco mais de esperança no que está por vir, pre-
toneladas de plástico. núncio de construção e transformação, apesar das catástrofes”.
Entram em curso na Bienal de Istambul os impactos da ação Anna Bella Geiger, com suas travessias por tempos incertos,
humana em dimensões catastróficas no marco do Antropo- faz imaginar espaços múltiplos e agonísticos, elaborando uma
ceno — conceito dos pesquisadores Paul Crutzen e Eugene poética vibrante e viva.
1 Bourriaud, N. “The Seteventh Continet: These Upon Art In The Age Of Global Warming”. In Seventh Continent. Catálogo da 16ª Bienal de Istambul. Istambul, 2019. P.47.
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