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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO
apostilas de formação dos agentes do Serviço Nacional de
Informações (SNI). Os manuais, que serviam para orientar a
repressão às organizações de esquerda, incluíam dicionários
de gírias e expressões que poderiam ser necessárias nas
sessões de interrogação e tortura. Logo ao lado, um vídeo da
artista Ana Vaz , intitulado Apiyemiyekî? [Por quê?], aborda
o genocídio do povo Waimiri-Atroari durante a marcha para
o centro-oeste na década de 1970, quando terras indígenas
foram invadidas para a construção da BR-174 e para a insta-
lação de uma mineradora. Ilustrações criadas pelos indígenas
sobre o período revelam a história traumática vivida pela
população, remetendo-nos aos dias atuais.
Por fim, Mabe Bethônico pesquisa a relação das empresas
de mineração com a ditadura militar a partir de um projeto
de doutorado que descobriu sobre o assunto. A artista
convidou a autora da pesquisa, Ana Carolina Reginatto,
para lhe dar aulas sobre o tema e registrou o processo em
vídeos. A obra final, intitulada Elite Mineral [Gabinete de
Aprendizado] é outra que, segundo a curadora, nos remete
diretamente aos acontecimentos recentes do país. “Com o
trabalho da Mabe, fica mais claro o que está acontecendo
em Brumadinho. Quando você olha o trabalho da Ana O GRUPO INTEIRO, TEXTO-TECIDO-TEIA, 2019, METAL E TRICÔ
Vaz, entende melhor o que está acontecendo na questão
indígena. Então nós vamos fazendo ligações que parece parece que se estamos precisando voltar à realidade, de
que não fizemos no Brasil”, diz Pato. alguma forma o artista pode ser esse caminho do simbólico
para que voltemos a olhar para o real.”
REVISIONISMO E APRENDIZADO Ao tornar públicas histórias pouco reveladas, surge tam-
Se o grupo de trabalho criado por Ana Pato com os artistas bém a possibilidade de alguma reparação ou, ao menos,
para pesquisar a memória da ditadura surgiu em 2018, foi a de lidar com as feridas do passado. “No Brasil, nós não
partir do início deste ano, já após a posse de Jair Bolsonaro, fizemos um reconhecimento das nossas dívidas, da nossa
que o processo de produção das obras se intensificou. A história traumática. E os genocídios da população negra,
temática entrou ainda mais na pauta do dia num contexto indígena, isso permanece. É o próprio conceito de trauma,
em que o presidente da República defende o regime militar, o passado que não quer passar, aquilo que está sempre
elogia torturadores e incentiva a comemoração da data voltando”, diz Pato. Nesse sentido, a curadora se refere a
do golpe de 1964. “Estamos vivendo um momento de uma história que começa muito antes da ditadura militar,
revisionismo da nossa História oficial. Porque a ditadura com raízes profundas que vêm desde a chegada dos coloni-
militar está na nossa História oficial, não parecia ser uma zadores e do período da escravidão. Para ela, é só a partir
narrativa que a gente tinha exatamente que comprovar. desta complexidade histórica que se pode entender o atual
Mas as coisas mudaram”, diz a curadora. “dualismo e cisão da sociedade brasileira”.
“A impressão que eu tenho é que a gente é meio desco- Em um vasto galpão do Sesc Belenzinho, a mostra se
nectado de quem somos, da nossa construção de nação. apresenta como um espaço de diálogo entre as obras,
Então, para entender o que estamos vivendo, nada melhor montadas entre estruturas metálicas aparentes e peque-
do que olhar para o passado, aprender com a História para nas superfícies de madeira, permitindo a sobreposição
ficarmos mais conscientes do presente”, diz ela, reforçando das histórias apresentadas. Sobre o projeto expográfico
o papel pedagógico de Meta-Arquivo – especialmente em de Anna Ferrari, a curadora explica: “Tem a ver também
tempos de negação de fatos históricos e disseminação de com a ideia de arquivo, para perverter a própria ideia das
informações falsas. Não à toa, explica Pato, a mostra tem caixas. Eu queria poder ver qualquer trabalho de qualquer FOTO PATRICIA ROUSSEAUX
o subtítulo Espaço de Escuta e Leitura de Histórias da Dita- ângulo. Mas o ponto é esse: você nunca vai ter o ângulo
dura. “Acho que a exposição é um lugar de aprendizado. Me perfeito, você vai sempre ter o outro lado”.
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BOOK_ARTE_48_AGOSTO2019.indb 56 30/08/19 19:34