Page 50 - ARTE!Brasileiros #46
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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO | RIO DE JANEIRO






             DELICADA POTÊNCIA





             EXPOSIÇÃO DE ROSANA PAULINO, COSTURA DA MEMÓRIA, SAI DA
             PINACOTECA DE SÃO PAULO E CHEGA NO MUSEU DE ARTE DO RIO


             POR SOLANGE FARKAS








             EM MEIO À PRODUÇÃO ARTÍSTICA que emerge das regiões de pas-
             sado colonial do mundo, a obra de Rosana Paulino vem se tornando
             referência diante de nossos olhos. Na pesquisa curatorial que busca as
             vozes e falas desse polo geopolítico – e que alimenta as ações do Vide-
             obrasil –, sua força se impõe cada vez mais. Lembro-me da impressão
             que me causaram os primeiros trabalhos da artista que vi, sobretudo a
             série Bastidores (1997), na qual uma costura raivosa e definitiva toma
             o espaço de decoro e recato (branco, feminino e burguês) do bordado
             para calar e cegar mulheres negras. Ou das monotipias Proteção extrema
             contra a dor e o sofrimento (2011), nas quais linhas de costura caem dos
             olhos de uma figura nua de mulher para compor algo que parece um
             arremedo frágil de coberta protetora, mas também um emaranhado
             que limita e aprisiona.
             Esta última série foi escolhida pelo artista e curador Daniel Lima para
             integrar a exposição Agora somos todxs negrxs?, que compôs o programa
             do Galpão Videobrasil em 2017. A mostra incluía ainda Tecido social,
             gravura de título irônico em que Paulino junta imagens com suturas
             malfeitas e costuras forçadas para por em xeque ideias de sociabilidade
             pacífica e unidade nacional. Disposto a desafiar a perpetuação do mito da
             cordialidade racial brasileira, inclusive no meio da arte, Lima reunia uma
             geração que se propõe a desconstruir o que descreve como o “tríplice
             trauma da colonização (extermínio das populações nativas, escravidão
             e perseguição religiosa) por meio do poder micropolítico da arte”.
             Essas experiências pregressas com o trabalho da artista não me prepa-
             raram para o impacto que senti ao percorrer a exposição Rosana Paulino:
             costura da memória. Foi só diante do corpo de obra reunido pela Pina-
             coteca de São Paulo que me dei conta da real dimensão da produção
             da artista. Impressiona o domínio e a maestria com que ela se serve
             de uma diversidade de técnicas e linguagens, como aquarela, desenho,
             cerâmica, vídeo, bordado, escultura. Mas, mais ainda, a potência poética
             e política de sua narrativa, que mergulha na história para trazer à tona
             um passado doloroso e sua herança muito presente, seja na forma de
             impacto sensorial, seja por meio de associações instigantes de ideias.


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