Page 96 - ARTE!Brasileiros #43
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CRÍTICA DIAS & RIEDWEG






           QUANDO PRODUZIR NUDES ERA

           UM OFÍCIO PROFISSIONAL

           Em exposição na galeria Vermelho, Dias &

           Riedweg exploram o universo erótico do
           fotógrafo norte-americano Charles Hovland

           POR FABIO CYPRIANO








           DESDE 1993, o brasileiro Maurício Dias e o suíço Walter Rie-
           dweg formam uma dupla artística, para a qual a ideia de par-
           ceria não se concretiza apenas no trabalho conjunto, mas,
           especialmente, em um tipo de trabalho que envolve também
           outras pessoas, coletivos ou comunidades.
           É como se o método de trabalhar Dias & Riedweg se expandisse
           como uma necessidade vital e viral, incorporando sempre
           outros além deles próprios, uma abordagem praticamente única
           no cenário nacional das artes visuais, de egos tão inflados. Foi
           assim, só para citar um caso, com Os Raimundos, os Severinos,
           os Franciscos (1998), exibido na 24ª. Bienal de São Paulo, que
           envolveu porteiros e zeladores nordestinos da capital paulista.
           Nunca são obras “participativas”, tampouco ilustrativas sobre
           o tema escolhido, mas uma espécie de aproximação afetiva,
           que seleciona momentos desses encontros e se formaliza de   ARQUIVO FANTASIA, 2017. AS FOLHAS DE CONTATO P&B DE HOVLAND
           maneira muitas vezes encenada, próxima da ideia de uma obra   FORAM RECRIADAS EM ANIMAÇÕES DE VÍDEO DIGITAL
           de arte total, que acolhe o espectador em vários sentidos.
           Em sua mais recente exposição, CameraContato, que esteve
           em cartaz na galeria Vermelho em abril e maio passados, pela   por abordarem temáticas queer e museus se autocensuram
           primeira vez a obra de Dias & Riedweg se aproxima de outro   para evitar ataques, a exposição foi um suspiro necessário
           artista, o fotógrafo norte-americano Charles Hovland (1954).   frente à onda conservadora que ocorre no país.
           A obra de Hovland é surpreendente em si. Em um anúncio no   A mostra foi composta por duas grandes instalações, Arquivo
           tablóide novayorquino The Village Voice ele ofereceu seus ser-  fantasia e Arquivo romance e subprodutos objetuais – fotos
           viços para fotografar as fantasias sexuais de interessados, nos   emolduras criadas a partir delas.
           anos 1980. Durante mais de 20 anos, Hovland retratou todos   Em Arquivo fantasia (2017) as folhas de contato PB de Hovland
           os tipos e representações de sexualidade de jovens e idosos,   foram recriadas em animações de vídeo digital, apresentadas
           gordos e magros, ilustres e desconhecidos em seu estúdio em   em cinco vídeos verticais, com áudio das anotações do fotó-
           Manhattan, reunindo um arquivo de três mil rolos de filme PB,   grafo sobre seus modelos, lidas em voz alta por ele mesmo.
           com as respectivas provas de contato.             Já Arquivo romance (2018) projeta fragmentos de corpos
           Ainda nesse período, ele produziu mais de 450.000 cromos   nus retratados por Hovland mas vistos por um caleidoscópio,
           fotografando nus masculinos para revistas como Mandate e   fragmentando assim as imagens eróticas, tornando-as às vezes
           Honcho, sob o pseudônimo Chuck, trabalho que teve início a   visíveis, às vezes abstratas. Na mostra também foi exibido o
           partir do convite de um de seus clientes. Além de fotógrafo,   filme Esperando um modelo, um documentário bastante subje-
           ele ainda é ativista de movimentos e organizações não gover-  tivo sobre Hovland em seu estúdio, um lugar bastante surreal
           namentais na luta contra a AIDS, como ACT UP, ou seja, uma   cheio de pequenas coleções, de objetos religiosos a bonecas.
           figura impar, mas protagonista hoje esquecido.    Assim, em CameraContato, a dupla apresenta pistas de uma
           Foi a partir do imenso arquivo de imagens eróticas de Hovland,   história complexa, sobre um fotógrafo que retratava as fan-
           testemunha de um tempo de fantasia e desejo anterior às facili-  tasias sexuais de outros quando sexo se tornou sinônimo de
           dades das câmeras digitais e dos nudes distribuídos em aplicati-  morte com a Aids. Por isso, é uma mostra que, afinal, também
           vos de encontros, que Dias & Riedweg criaram CameraContato.   fala de parcerias, cumplicidade e empatia, a estratégia central
           Em um momento quando instituições de arte são perseguidas   dos trabalhos das dupla.


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