Page 53 - ARTE!Brasileiros #43
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com determinadas obras versão da exposição, quando obras no espaço foi
de arte? Esse era o desafio algum membro da equipe do o problema no qual o vai
maior que Lugares do Delírio Museu de Arte do Rio (MAR) e vem entre prática e
me colocava. Ele foi o guia, me perguntava a razão de pensamento se desenvolveu
o ponto sensível, o problema tantos barcos, eu respondia mais fortemente. O desafio
que conduziu cada uma das jocosamente que “no MAR… era claro e talvez fadado ao
ações curatoriais e levou-me a precisamos de barcos para fracasso: como constituir uma
algumas elaborações que vou não afundar”. Assim, eu “cena” delirante? Como fazer
aqui rapidamente comentar. tomava as palavras como uma exposição que não fosse
A obra de Arthur Bispo coisas, como faz muitas vezes um discurso sobre o delírio,
do Rosário é, sem dúvida, o delírio psicótico (e também mas convidasse o público a
aquela que mais diretamente a arte e a poesia). Apenas experimentá-lo ativamente e
evidencia a potência do mais tarde, já na montagem de forma singular?
delírio como reconstrução da exposição, ficou patente a A primeira ideia que me
da realidade pela arte, e ligação dos barcos com a “nau ocorreu foi que os diferentes
portanto, deveria ter lugar dos loucos” na qual algumas objetos e esculturas deveriam
privilegiado na mostra. Mas cidades abandonavam seus se mesclar e contaminar,
como recortar sua obra loucos na Idade Média (como recusando a diferença
infinita? De que forma se conta Foucault), assim como entre artistas famosos e
poderia ressaltar sua força de com a ideia de deriva (de pouco conhecidos, entre
desvio e deriva, a presença Deleuze e Guattari) nos obras inseridas no circuito
movente do sujeito a refazer o caminhos efêmeros e infinitos convencional e trabalhos
mundo que nela se encarna? A que o barco desenha na água, oriundos de instituições
resposta apresentou-se para ou ainda a figura da jangada psiquiátricas. A aceitação
mim de forma intuitiva, que como frágil porém potente da diversidade que a
só mais tarde desdobrou-se construção para aqueles que exposição tenta defender
conceitualmente: diante de estão fora da linguagem, em se concretizaria, assim,
alguns trabalhos, no acervo do Fernand Deligny. materialmente. Além
Museu Bispo do Rosário, decidi O próprio conceito de delírio disso, o contato entre
ter seus barcos como um dos foi, assim, enriquecendo-se diferentes trabalhos poderia
eixos centrais da exposição, com esses objetos, recebendo eventualmente incitar novos
em torno do qual obras de novos predicados, outras olhares sobre eles – e assim
outros artistas variados se articulações ao longo do expor Bispo ao lado de Cildo
espalhariam. trabalho curatorial concreto, Meireles poderia reforçar a
A escolha era um tanto do encontro com obras, força conceitual do primeiro,
delirante, talvez. Na seleção artistas e o espaço expositivo. por exemplo.
das demais obras de Em vez de consistir na Radicalizando essa proposta,
artistas variados, foram se aplicação de determinado decidi recusar os suportes
apresentando muitos barcos, conceito, a prática foi me que habitualmente isolam
de forma surpreendente para levando a outras elaborações cada obra e a expõem como
mim, e eu os fui acolhendo. teóricas, em uma espécie fora do mundo à sua volta: a
Inicialmente, como já disse, de navegação sem trajeto parede ou painel cenográfico
não havia justificativa teórica predefinido, na qual o ponto de no qual se fixa um quadro, o
clara para a escolha das partida transforma-se a cada pedestal no qual se posiciona
embarcações e durante a nova paragem. uma escultura. Decidi dispor
preparação da primeira O modo de disposição das as obras penduradas no ar por
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