Page 34 - ARTE!Brasileiros #40
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PRÊMIO MARCANTONIO VILAÇA















             conta. Ao lado do desenho, há o mapa atual da região   de pessoas dizendo que meu trabalho estimulava tensões
             para que o público possa “fazer a justaposição e perceber   e conflitos raciais no País. Muitos também alegavam que
             que esses lugares foram apagados”, destaca Lauriano.  a democracia racial foi benéfica para o Brasil”, conta.
             Um dos lugares que mais chama atenção na obra é o
             atual bairro da Liberdade. No mapa, é possível ver que   TRAJETÓRIA
             a principal praça da região abrigava, na época, o cha-  Com seus óculos grandes e o contorno do continente
             mado Largo da Forca, onde os escravos considerados   africano tatuado no braço esquerdo, Lauriano toma um
             infratores eram eliminados. Em frente ao largo, havia   gole de café enquanto relembra sua infância passada em
             a Igreja da Nossa Senhora dos Enforcados, na qual se   Quitaúna, na periferia de Osasco, município da Grande
             rezava uma missa para os condenados. De lá, os corpos   São Paulo. Seus pais se separaram cedo, quando ele
             eram levados para o Cemitério dos Aflitos, destino onde   tinha cinco anos. “Eu morava com a minha mãe de favor
             indigentes eram enterrados.                       na casa de um tio. Ela trabalhava muito. A imagem que
             O artista ressalta que poucas pessoas se lembram dessa   mais tenho desse período é dela cansada”. Hoje com
             história: “No início do século XX, esses vestígios foram   33 anos, Lauriano começou a trabalhar desde os 15
             apagados e o bairro passou a receber a migração japo-  para ajudar na renda familiar. “Tudo que eu queria era
             nesa, tida como desejável”. Para quem quiser saber   sair daquela situação. E para isso havia duas saídas: o
             mais sobre o tema, Lauriano disponibiliza cerca de 40   estudo ou o crime”.
             publicações ao lado da obra. Ele também organizará   Preocupado em driblar o discurso da meritocracia, Lau-
             uma série de debates e intervenções durante a mostra.  riano afirma que não entrou para o crime “por sorte”.
             O artista defende que o Brasil “precisa criar uma cul-  “Eu também era meio bundão, tinha medo”, diz rindo.
             tura da memória”. Ele cita o exemplo da Alemanha que,   Sério, o artista reflete sobre o contexto no qual cresceu:
             depois do nazismo, criou inúmeros museus e centros   “Não que eu romantize o crime, mas é uma saída. Só
             culturais que tratam desse período histórico traumático.   quem vive isso sabe como é treta não ter perspectiva
             “O Brasil, por sua vez, não debate esses assuntos. Nós   nenhuma”.  Ele conta que, aos 17, queria cursar Economia,
             temos duas leis de reparação muito problemáticas: a   já que sempre se deu bem com os números. Enquanto
             Lei Áurea e a Anistia. Ambas foram feitas pelos opres-  estudava para o vestibular, começou a dar aulas como
             sores para apagar os conflitos. Foi como se dissessem:   voluntário em uma ONG que ensinava arte e tecnologia
             ‘morreu aqui, cada um fica quietinho no seu canto’.   para jovens.
             Essa falta de memória é uma questão muito séria, que    “Na época, eu não sabia nada de arte, tinha visitado
             possibilita que o Bolsonaro, por exemplo, dedique o   algumas exposições, mas nada além disso. Lembro que
             seu voto no Impeachment ao Brilhante Ustra, um dos   quando fui na Bienal do Herkenhoff, em 1998 (a Bie-
             maiores torturadores durante a ditadura”, pontua.  nal de São Paulo daquele ano, com curadoria de Paulo
             Recentemente, o artista concebeu a ilustração da capa   Herkenhoff), não entendi muita coisa. Mas algo que já,
             da Ilustríssima, caderno especial do jornal Folha de S.   naquela época, me marcou foi o Livro de Carne do Artur
             Paulo que sai aos domingos. O desenho era, como nas   Barrio. Eu vi a obra e pensei: caramba, alguém fez um
             obras anteriores, um mapa histórico com a inserção dos   livro com um bife e está numa exposição?” , relembra
             termos “genocídio”, “invasão”, entre outros. Ele conta   rindo. Foi depois de passar pela ONG que ele decidiu
             que, logo após a circulação do diário, recebeu inúme-  estudar artes. Cursou a faculdade na Belas Artes, “que
             ros e-mails.  Alguns elogiavam o trabalho, dizendo que   era a mais barata na época”.
             “nunca tinham pensado sobre aquilo”. Outros, por sua   A partir de então, Lauriano entrou em contato com
             vez, questionavam o artista: “Recebi várias mensagens   um novo universo, conhecendo artistas e teóricos


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