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PRÊMIO MARCANTONIO VILAÇA
JAIME LAURIANO E A
DESMISTIFICAÇÃO DA
DEMOCRACIA RACIAL
UM DOS VENCEDORES DO PRÊMIO MARCANTONIO VILAÇA, O ARTISTA
CRIA OBRAS QUE TRAZEM NOVOS OLHARES SOBRE A HISTÓRIA
POR MARIANA TESSITORE
DOMINAR NOVOS TERRITÓRIOS. Segundo Jaime associação problemática entre exploração do solo e
Lauriano, essa é a estratégia para que “cada vez mais exploração do corpo”, comenta o artista.
negros ocupem espaços que antes lhes eram negados”. Em suas obras, ele reprocessa esses mapas, agregando
O artista, diga-se de passagem, tem se saído muito bem novas camadas de significado. No lugar das palavras
nessa empreitada. Com seu jeito agradável e opiniões contidas originalmente, como os nomes dos oceanos, o
politizadas, Lauriano se infiltrou na bolha da arte con- artista coloca novos termos como genocídio, apropria-
temporânea. Somente nesse semestre, ele participa de ção cultural e invasão. Lauriano comenta que nenhuma
mostras em instituições importantes como Sesc 24 de dessas expressões podem ser encontradas nos livros
Maio, Itaú Cultural e Videobrasil. Para completar a boa de autores canônicos como Sérgio Buarque de Holanda
fase, Lauriano também foi um dos vencedores da edição e Caio Prado Junior. “Queria tencionar essa ausência.
deste ano do Marcantonio Vilaça, principal prêmio de Até hoje não empregamos os termos corretos. O que
arte do País. aconteceu aqui no Brasil foi um genocídio, a maior
Em seu ateliê, o artista comenta a repercussão do traba- diáspora de pessoas do mundo. Precisamos falar sobre
lho: “Sinto que tenho uma responsabilidade muito grande isso”, pontua.
por ser um artista negro dentro de uma sociedade que, Essas obras são feitas pelo artista com a pemba, giz em
até hoje, prega a democracia racial e a meritocracia forma esférica utilizado na Umbanda. Nos terreiros, a
como pilares fundadores”. Com o intuito de rever esses pemba é considerada um elemento divino, sendo empre-
valores, Lauriano propõe novos olhares sobre a história, gada para traçar pontos e captar as forças dos espíritos.
evidenciando as disputas pelo passado. Assim, ao refazer esses mapas com a pemba, Lauriano
Na mostra Agora Somos Todxs Negrxs?, por exemplo, atribui um tom ritualístico ao trabalho, numa espécie
ele apresenta uma releitura do primeiro mapa do Bra- de revisão da história e dos símbolos da colonização.
sil, feito em 1519. O trabalho foi desenhado na própria Esse elemento da Umbanda também foi utilizado pelo
parede do espaço expositivo, tendo uma grande escala, artista em sua obra mais recente, exibida na exposição
de cerca de 9 m de comprimento por 5 de largura. Desde São Paulo Não é Uma Cidade.
2015, os mapas são objetos de referência para o artista. Concebido especialmente para a mostra no Sesc 24 de
“Em meu trabalho, mostro como as representações Maio, o trabalho reproduz um mapa histórico. Trata-se
cartográficas e as próprias fronteiras foram construídas da última representação cartográfica do centro de São
de forma violenta a partir da escravização de corpos, Paulo feita antes da abolição dos escravos. “Utilizando a
primeiro indígenas e depois africanos. No fundo, desde pemba, eu recrio esse documento de 1840, destacando 12
a formação do nosso estado-nação, predomina uma lugares que foram utilizados para escravização e tortura”,
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Book_ARTE 40_Bilingue.indb 32 9/21/2017 3:55:12 PM