Page 38 - ARTE!Brasileiros #39
P. 38
TALKS ARTE COMO RESISTÊNCIA
arte e apontou o grafite como principal elemento pelo espaço público, que brincam com as placas e sinalizações.”
agregador entre a arte e os moradores da cidade, Entre exemplos citados por ele estão os cartazes com dizeres
enfatizando a relevância das artes de rua, mesmo como “Mais Brecht, menos Odebrechet”, “Não pise nos outros”
sem o caráter permanente das obras de arte. “Se o ou ainda “Calma, porra!”.
objeto da obra não é permanente, o legado da obra
do grafiteiro é”, afirmou Ribeiro, citando ainda o GRAFITE É O NOVO JAZZ
poder do grafite de engajar pessoas e criar redes. “O grafite tem para o século XXI um papel tão importante quanto
Criador do projeto Arte/Cidade, que desde 1994 pro- o jazz para o século XX”, disse a jornalista Gabriela Longman
move intervenções no centro e nas áreas periféricas durante sua participação. Ela reforçou o papel da arte urbana
de São Paulo, Brissac foi além e pontuou as mudan- na compreensão das mudanças frenéticas do mundo contem-
ças frenéticas das cidades e de como a arte de rua porâneo. “Os dois (a arte urbana e o jazz) nasceram da téc-
acompanha esse dinamismo. “Estamos vivendo uma nica e do improviso, sendo expressões fortemente associadas
iminência de colapso das condições urbanas que não às populações marginalizadas. Ambos têm um viés irônico e,
pode passar sem ser percebido pela arte.” E assim ao mesmo tempo, a representação do sofrimento. E, assim
como o editor Dan Fox ressaltou a importância do como o grafite hoje, o jazz já foi visto como um estilo menor.”
contexto político na produção artística, Brissac Ao lado de seu pai, o fotógrafo Eduardo Longman, Gabriela
também considerou que o ambiente desafiador e documentou no livro Labirintos do Olhar grafites em três grandes
hostil das ruas faz com que o artista saia da sua zona cidades: São Paulo, Nova York e Berlim. Para ela, o grande marco
de conforto e interaja com o que existe a sua volta. no processo de institucionalização do grafite foi em 2007, quando
“Espaços institucionais, como museus e galerias, a Tate Modern convidou artistas para grafitar sua fachada. “Seja
estabelecem padrões de percepção com os quais no museu, seja em outro lugar, o essencial é que o grafite dialo-
nos acostumamos facilmente. Quando as produções gue com a cidade”, concluiu. Da relação entre as instituições e a
são deslocadas para a cidade, somos estimulados arte urbana, Brissac acredita que falta “às instituições públicas
a rever nossos parâmetros, estabelecendo novas apoiar a produção artística efêmera”. Efemeridade essa que ele
formas de olhar e interagir com os trabalhos.” Essa acredita estimular o processo de experimentação na criação.
mudança, segundo o filósofo, pode estimular artis- “Enquanto nós saímos de casa para ver arte em um museu, um
tas a repensar seus procedimentos. ”A questão teatro, a arte no espaço urbano encontra a gente.”
formal é essencial. Quando um artista se posiciona
politicamente, não pode ser apenas um discurso, LINHAS PARALELAS
isso precisa estar na obra também, o que é bem mais Pelo segundo ano consecutivo, o design ganhou destaque na
difícil. A maioria dos artistas foge desse embate. Mas SP-Arte, com setor exclusivo e mesa de debate no Talks. Na
claro que há exceções. Regina Silveira, por exem- manhã do dia 7 de abril, o diretor do Museu da Casa Brasileira,
plo, poderia estar aproveitando o seu sucesso em Giancarlo Latorraca, a professora de Design da USP Maria Cecília
Paris, mas decidiu trabalhar conosco na zona leste.” Loschiavo e a diretora da Etel, Lissa Carmona, se reuniram, com
Para Ribeiro, mais do que conquistar muros e ruas, mediação de Kristina Parsons, da plataforma Artsy, para resgatar
ainda é preciso lutar contra a cultura do medo. a trajetória do design no Brasil e lembrar que arte e design andam
Ele acredita que um dos grandes impasses das juntos há tempos. Cinco móveis da Etel feitos em parceria com
metrópoles brasileiras é o “discurso do medo”, que o artista Carlos Vergara, que confirmam essa ligação, estavam
leva as pessoas a se ilhar nos espaços privados e à venda na SP-Arte. A reedição de peças icônicas da arquiteta
se “esconder em seus veículos blindados”, o que Lina Bo Bardi também reafirma a ideia de que o design não
ele chama de urbanismo de bolha e que impede a caminha sozinho. Para trazer de volta as peças Carrinho de
população de se apropriar dos espaços públicos. Ele Chá, Mesa Tríplice, Mancebos, Revisteiros, Escrivaninhas e Pol-
lembrou intervenções que estimulam uma relação trona Tridente, Carmona contou que estudou a fundo o acervo
mais amigável com a cidade. “Há um movimento de Lina Bo Bardi. “Há uma questão de ética muito importante
de poesia urbana que me interessa muito. Eles aqui. Como trazer obras clássicas, atualizá-las e colocá-las no
criam roteiros e vão espalhando frases irônicas mercado? Não é algo simples”, comentou.
38
Book_POR_ARTE39_v1.indb 38 03/05/17 19:43