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TALKS ARTE COMO RESISTÊNCIA






             arte e apontou o grafite como principal elemento   pelo espaço público, que brincam com as placas e sinalizações.”
             agregador entre a arte e os moradores da cidade,   Entre exemplos citados por ele estão os cartazes com dizeres
             enfatizando a relevância das artes de rua, mesmo   como “Mais Brecht, menos Odebrechet”, “Não pise nos outros”
             sem o caráter permanente das obras de arte. “Se o   ou ainda “Calma, porra!”.
             objeto da obra não é permanente, o legado da obra
             do grafiteiro é”, afirmou Ribeiro, citando ainda o   GRAFITE É O NOVO JAZZ
             poder do grafite de engajar pessoas e criar redes.   “O grafite tem para o século XXI um papel tão importante quanto
             Criador do projeto Arte/Cidade, que desde 1994 pro-  o jazz para o século XX”, disse a jornalista Gabriela Longman
             move intervenções no centro e nas áreas periféricas   durante sua participação. Ela reforçou o papel da arte urbana
             de São Paulo, Brissac foi além e pontuou as mudan-  na compreensão das mudanças frenéticas do mundo contem-
             ças frenéticas das cidades e de como a arte de rua  porâneo. “Os dois (a arte urbana e o jazz) nasceram da téc-
             acompanha esse dinamismo. “Estamos vivendo uma   nica e do improviso, sendo expressões fortemente associadas
             iminência de colapso das condições urbanas que não  às populações marginalizadas. Ambos têm um viés irônico e,
             pode passar sem ser percebido pela arte.” E assim  ao mesmo tempo, a representação do sofrimento. E, assim
             como o editor Dan Fox ressaltou a importância do   como o grafite hoje, o jazz já foi visto como um estilo menor.”
             contexto político na produção artística, Brissac   Ao lado de seu pai, o fotógrafo Eduardo Longman, Gabriela
             também considerou que o ambiente desafiador e   documentou no livro Labirintos do Olhar grafites em três grandes
             hostil das ruas faz com que o artista saia da sua zona  cidades: São Paulo, Nova York e Berlim. Para ela, o grande marco
             de conforto e interaja com o que existe a sua volta.   no processo de institucionalização do grafite foi em 2007, quando
             “Espaços institucionais, como museus e galerias,   a Tate Modern convidou artistas para grafitar sua fachada. “Seja
             estabelecem padrões de percepção com os quais   no museu, seja em outro lugar, o essencial é que o grafite dialo-
             nos acostumamos facilmente. Quando as produções   gue com a cidade”, concluiu. Da relação entre as instituições e a
             são deslocadas para a cidade, somos estimulados   arte urbana, Brissac acredita que falta “às instituições públicas
             a rever nossos parâmetros, estabelecendo novas   apoiar a produção artística efêmera”. Efemeridade essa que ele
             formas de olhar e interagir com os trabalhos.” Essa   acredita estimular o processo de experimentação na criação.
             mudança, segundo o filósofo, pode estimular artis-  “Enquanto nós saímos de casa para ver arte em um museu, um
             tas a repensar seus procedimentos. ”A questão   teatro, a arte no espaço urbano encontra a gente.”
             formal é essencial. Quando um artista se posiciona
             politicamente, não pode ser apenas um discurso,   LINHAS PARALELAS
             isso precisa estar na obra também, o que é bem mais  Pelo segundo ano consecutivo, o design ganhou destaque na
             difícil. A maioria dos artistas foge desse embate. Mas   SP-Arte, com setor exclusivo e mesa de debate no Talks. Na
             claro que há exceções. Regina Silveira, por exem-  manhã do dia 7 de abril, o diretor do Museu da Casa Brasileira,
             plo, poderia estar aproveitando o seu sucesso em   Giancarlo Latorraca, a professora de Design da USP Maria Cecília
             Paris, mas decidiu trabalhar conosco na zona leste.”   Loschiavo e a diretora da Etel, Lissa Carmona, se reuniram, com
             Para Ribeiro, mais do que conquistar muros e ruas,  mediação de Kristina Parsons, da plataforma Artsy, para resgatar
             ainda é preciso lutar contra a cultura do medo.   a trajetória do design no Brasil e lembrar que arte e design andam
             Ele acredita que um dos grandes impasses das   juntos há tempos.  Cinco móveis da Etel feitos em parceria com
             metrópoles brasileiras é o “discurso do medo”, que  o artista Carlos Vergara, que confirmam essa ligação, estavam
             leva as pessoas a se ilhar nos espaços privados e   à venda na SP-Arte. A reedição de peças icônicas da arquiteta
             se “esconder em seus veículos blindados”, o que   Lina Bo Bardi também reafirma a ideia de que o design não
             ele chama de urbanismo de bolha e que impede a   caminha sozinho.  Para trazer de volta as peças Carrinho de
             população de se apropriar dos espaços públicos. Ele   Chá, Mesa Tríplice, Mancebos, Revisteiros, Escrivaninhas e Pol-
             lembrou intervenções que estimulam uma relação   trona Tridente, Carmona contou que estudou a fundo o acervo
             mais amigável com a cidade. “Há um movimento   de Lina Bo Bardi. “Há uma questão de ética muito importante
             de poesia urbana que me interessa muito. Eles   aqui. Como trazer obras clássicas, atualizá-las e colocá-las no
             criam roteiros e vão espalhando frases irônicas   mercado? Não é algo simples”, comentou.


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