Teatro de Contêiner

A Companhia Mungunzá de Teatro, um dos coletivos mais inovadores do cenário paulistano, foi surpreendida nesta quarta-feira (28) com uma ordem de despejo emitida pela Prefeitura de São Paulo. O documento, datado de 26 de maio, concede apenas 15 dias para a desocupação completa do Teatro de Contêiner, espaço que se tornou um marco cultural e social no centro da cidade.

A justificativa oficial da prefeitura aponta o local como um “ponto estratégico para habitação”. Para a companhia, no entanto, a decisão soa como um descaso com um trabalho de quase uma década que transformou a região.

Criado em 2008, o grupo Mungunzá desenvolve há 16 anos uma pesquisa cênica continuada, buscando alinhar arte e vida. Em 2017, essa busca resultou na criação do Teatro de Contêiner. Mais que uma sede, tornou-se uma ocupação artística pulsante, reconhecida por sua gestão cultural de impacto em áreas de vulnerabilidade e por sua arquitetura sustentável e comunitária.

Marcos Felipe, ator e produtor da Cia. Mungunzá, relembra como o espaço, há 9 anos fincado no coração de São Paulo, “mudou radicalmente a geografia afetiva do território”. Ele conta que o teatro foi pioneiro ao focar seu trabalho na própria territorialidade, na população do entorno. Uma diferença crucial, pois, embora cercados por outros equipamentos culturais, nenhum deles tinha, até então, “essa promoção com a própria população do centro de São Paulo, todos trabalhavam numa dinâmica de uma população que vinha de fora”.

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O impacto é traduzido em números: ao longo desses nove anos, o Teatro de Contêiner “ofertou mais de 4.000 ações artístico sociais, sendo 83% delas todas gratuitas à população e atingimos um total de meio milhão de pessoas”. Um trabalho reconhecido nacional e internacionalmente, agraciado com prêmios e que se tornou referência, balizando políticas públicas replicadas em outros municípios.

Diante dessa trajetória, a ordem de despejo chega com um peso ainda maior. “Nos causa um imenso espanto o tamanho da violência de receber um mandado judicial de despejo pelo prazo de 15 dias”, conta Marcos Felipe.

A sensação é de que a história construída ali está sendo ignorada: “A gente achava que a cidade de São Paulo deveria regularizar, chancelar o espaço e levantar esse espaço como um emblema da própria cidade e não desativar e destruir esse equipamento para construção de mais um prédio numa cidade que só tem prédio”. Marcos Felipe aponta que ao longo dos últimos anos foram erguidos muitos edifícios no centro de São Paulo e nenhum deles serviu, de fato, para a população vulnerável: “Há um processo de gentrificação do centro de São Paulo e a desativação do Teatro de Contêiner para a construção de um prédio faz parte do processo de elitização, de trazer pessoas da classe média para o centro e expulsar os moradores mais pobres para as bordas da cidade”. 

Sobre alternativas, a prefeitura teria mencionado a possibilidade de outros terrenos, mas sem apresentar propostas concretas. A Cia. Mungunzá questiona a lógica: “Se existem outras alternativas para o Teatro de Contêiner, por que esses edifícios não podem ser construídos nelas?”

Agora, a companhia se mobiliza. O caminho é “fazer com que a sociedade civil se engaje nessa luta”, buscando apoio para que essa “força pública freie esse ímpeto extrativista do governo e do prefeito”.


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