Teatro Ventoforte demolido pela Prefeitura de SP. Foto: Jotabê Medeiros

Destruído no dia 13 de fevereiro pelos tratores da Prefeitura de São Paulo, o Teatro Ventoforte luta sem tréguas para se reerguer. No próximo dia 18, haverá uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo na qual serão debatidas as propostas e os encaminhamentos das soluções possíveis para a questão. É esperada mais de uma centena de participantes. A ideia unânime já desenhada parece ser a de reerguimento dos espaços demolidos no Parque do Povo (as salas de performance cênica, o teatro de bonecos e a Escola de Capoeira Angola Cruzeiro do Sul), na Zona Oeste de São Paulo, que abriga a experiência de meio século do Ventoforte, plano que já foi abraçado pelo governo federal, por intermédio do Ministério da Cultura e da Funarte, além de diversos vereadores e deputados estaduais e federais.

Cerca de 60 atores, atrizes, músicos, educadores, mestres da cultura, produtores e outras pessoas ligadas ao desenvolvimento histórico do Ventoforte, fundado em 1974 por Ilo Krugli e considerada uma experiência modelar de arte comunitária, devem apresentar na audiência pública o estatuto da novíssima Associação Memória Viva Ventoforte, constituída por todos os ativistas do legado produzido ali. Essa associação tem como objetivo criar uma entidade jurídica responsável que assumirá as tratativas com o poder público para a nova gestão do Ventoforte.

A destruição do Teatro Ventoforte causou uma forte reação da opinião pública, pela violência da ação, feita sem aviso e ao arrepio da lei. Objetos do acervo do teatro foram soterrados pelos escombros, e até um piano Fritz Dobbert foi destruído. O Parque do Povo é tombado, assim como a capoeira, expressão do patrimônio imaterial brasileiro. Além disso, a ação denota descaso para com uma experiência cultural de notório reconhecimento na cena teatral. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) soltou nota de repúdio no dia 19 de fevereiro, alertando “para o risco de grave dano a um patrimônio imaterial do País, haja vista a demolição dos imóveis ter se dado antes da retirada de documentos, fotografias, instrumentos e imagens sagradas” que compunham o acervo da Roda de Capoeira do reputado Mestre Meinha com cerca de 40 anos de atuação (cinco deles no Teatro Ventoforte).

O legado do Teatro Ventoforte está atavicamente relacionado à área onde ele funcionou, que era um território degradado e esquecido pelo poder público no início dos anos 1980, quando o grupo se instalou ali – estava inativo havia alguns meses. No ano passado, o grupo Casa Realejo de Teatro, de Francisco Morato, aprovou pela Lei Rouanet um projeto de montagem e circulação de “História de Lenços e Ventos”, o primeiro espetáculo cênico do VentoForte, incluindo uma exposição e oficinas baseados nos princípios desenvolvidos na companhia, “alicerçados na cultura popular, nas danças brasileiras e num teatro integrado à animação de objetos e intensa musicalidade”.

O teatro foi posto abaixo pela prefeitura com um argumento legalista, uma reclamação da associação de moradores do Itaim e uma ação de reintegração de posse. Essa suposta motivação demonstra total despreocupação do poder público com os aspectos culturais de um espaço que é público – o Parque do Povo é área de uso público, e o Teatro Ventoforte estava lá antes mesmo do local ser reformulado como área de lazer da população, em 2008. A Secretaria de Cultura e Economia Criativa de São Paulo, até agora, não manifestou sua posição acerca da questão.

Dezenas de artistas do País todo têm manifestado tristeza com o que aconteceu ao Ventoforte. De Nova York, o diretor de teatro Gerald Thomas gravou depoimento indignado. “O que fazer com o miserável que fez isso?”. Também divulgaram notas as atrizes Letícia Spiller, Marisa Orth, Letícia Spiller, Teresa Seiblitz, os atores Pascoal da Conceição e Marcello Airoldi, a diretora de teatro e atriz Sara Antunes, o cantor Chico César, e muitos outros. Para alguns observadores, a negligência para com a cultura de São Paulo tem crescido e preocupa – o “despejo” do acervo do poeta Haroldo de Campos do museu Casa das Rosas seria parte desse descompromisso militante com os destinos da arte e da cultura.

“Teatro não se derruba. Teatro é experiência da democracia, da política na arte”, discursou a presidenta da Funarte, Maria Marighella. “Esse é um patrimônio do teatro brasileiro, elo da relação do teatro com a cidade, com os públicos, com a cidadania. Estamos aqui para empreender um processo de reestruturação e levantamento desse equipamento. E concordamos em absoluto que cultivo e cultura se fazem no território. Elas nascem de um lugar. Não podem ser deslocadas arbitrariamente. Portanto, a ideia de transferência do teatro e da escola de capoeira para algum lugar também não pode ser uma ideia aceitável para quem sabe que cultura é cultivo, é território, é semente de um lugar”.


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