Teatro de Contêiner
Teatro de Contêiner

Ignorando uma liminar da Justiça, na manhã desta segunda-feira, 22, uma empresa de demolição entrou nos prédios anexos ao Teatro de Contêiner Mungunzá, na Luz (região central de São Paulo) e começou a derrubar portas, paredes e andares superiores, atendendo a uma determinação da prefeitura municipal. A demolição do prédio anexo, cuja parede é contígua ao espaço cultural, projeta detritos em toda a área, colocando em risco as pessoas que trabalham ali, trabalhadoras do Coletivo Tem Sentimento, além de inviabilizar seu funcionamento.

O funcionamento do Teatro do Contêiner está assegurado pelos próximos 6 meses por determinação da juíza Nandra Martins da Silva Machado, da 5ª Vara da Fazenda Pública, que impede ações de desocupação. Em sua decisão, a juíza justificou que o teatro é composto por 15 estruturas de contêineres marítimos interligados, paredes de vidro, cobertura acústica, iluminação, além de um acervo artístico e cultural e que, por isso, a desocupação do imóvel não seria um processo simples e exigiria um “planejamento técnico e logístico para sua desmontagem, transporte e reestruturação”.

No último dia 19 de agosto, a prefeitura de São Paulo tentou desalojar o teatro à força, com o uso de homens e recursos policiais da Guarda Civil Metropolitana. Foi impedida pela ação dos atores, técnicos, frequentadores e moradores da região. A ação, violenta e fora da legalidade (usaram gás de pimenta e imobilização física em artistas), causou protestos em todo o País e o Ministério da Cultura e a Funarte soltaram notas de indignação, assumindo negociações para cessar as hostilidades do governo municipal. Nesta segunda, a empresa de demolição que começou a derrubar o prédio anexo informou que tinha sido instruída a agir pelos órgãos do governo do município.

A prefeitura diz que o terreno onde está o Contêiner se insere dentro de um plano de revitalização da região e que pretende construir um prédio de habitação de interesse social no terreno. A administração municipal alegou que já havia oferecido três áreas legalizadas para o Teatro de Contêiner Mungunzá, “que não cumpriu três ofícios para saída do terreno municipal ocupado irregularmente”. Entretanto, o teatro tem programação confirmada até dezembro deste ano, “cuja interrupção acarretaria prejuízos não apenas para o Teatro de Contêiner, mas para toda a sociedade e para os inúmeros artistas, educadores e públicos diretamente envolvidos”, segundo a juíza.

O Teatro de Contêiner informou a Arte! Brasileiros que está iniciando uma reação jurídica ao processo de demolição iniciado pela Prefeitura de São Paulo. É a segunda iniciativa desse tipo empreendida na gestão de Ricardo Nunes: ele também foi o responsável por destruir o Teatro Vento Forte e a Escola de Capoeira Angola Cruzeiro do Sul, no Parque do Povo, em fevereiro. Até hoje, não empreendeu nenhum ato de recuperação do patrimônio demolido, apesar de seu secretário de Cultura, Totó Parente, ter se comprometido com isso publicamente.

Finalista do Prêmio Governador do Estado em 2018, em 7 anos o Teatro de Contêiner Mungunzá tem sido, desde sua fundação, em 2017, uma ilha de acolhimento, delicadeza e excelência cultural no Centro mais complicado de São Paulo. Em 2020, durante a pandemia, o Teatro de Contêiner manteve as portas abertas para moradores em situação de rua, para ajudar com questões de higiene pessoal, além de ter sido ponto logístico da organização de ajuda humanitária Médicos sem Fronteiras (que atuou em dois locais no centro da capital paulista). Abrigou ações de coletivos ativistas do Centro (relacionados à saúde e a assistência social), tornou-se ponto de coleta e distribuição de doações e ajudou a distribuir 40 mil refeições (500 por dia) para a população de rua naquela ocasião. 

Um ano antes, em 2019, o Teatro de Contêiner organizou a mostra O Fluxo Expõe – A Arte da Cracolândia, com trabalhos dos artistas Clayton Dentinho, Ed Peixoto, Fábio Rodrigues, Índio Badarós, Jaick MC, Rogério Roque, Wesley Marciano e Yóri Felipe Ken. Os 8 artistas produziam em situação de grande vulnerabilidade social no Fluxo (fluxo era o nome utilizado para designar a localidade próxima à Estação da Luz na capital, na qual havia então uma grande concentração de usuários de crack e de pessoas em situação de rua).

O amplo ateliê de costura que funciona no espaço dos fundos do Teatro de Contêiner Mungunzá, da Cia. Mungunzá de Teatro, foi instalado após um investimento de 65 mil reais, o espaço (como todo o complexo, foi construído com contêineres marítimos, um de 12 metros e outros dois de seis metros). Ali funciona a sede do Coletivo Tem Sentimento, que desenvolve um projeto de geração de renda com e para mulheres que vivem no Centro de São Paulo.

A arquitetura do teatro, dessa forma, além de se caracterizar como Habitação de Interesse Social, um espectro que deve ser protegido pelo Estado, não significa apenas uma intervenção de um grupo de teatro em uma região urbana, mas tornou-se um caso exemplar de desenvolvimento da própria linguagem do teatro dentro das conformações de uma pulsão urbanística.


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