Finalista do Prêmio Governador do Estado em 2018, o Teatro de Contêiner Mungunzá saiu subitamente da condição de homenageado pelo poder público para a de alvo do poder público. Na última terça-feira, 19, o teatro foi violentamente invadido pela Guarda Civil Metropolitana e seus artistas retirados à força das suas instalações, com uso de spray de pimenta e imobilização física. O que é no mínimo um contrassenso: o teatro da Cia. Mungunzá de Teatro tem sido, desde sua fundação, em 2017, uma ilha de acolhimento, delicadeza e excelência cultural no Centro mais complicado de São Paulo.

Em 2020, durante a pandemia, o Teatro de Contêiner manteve as portas abertas para moradores em situação de rua, para ajudar com questões de higiene pessoal, além de ter sido ponto logístico da organização de ajuda humanitária Médicos sem Fronteiras (que atuou em dois locais no centro da capital paulista). Abrigou ações de coletivos ativistas do Centro (relacionados à saúde e a assistência social), tornou-se ponto de coleta e distribuição de doações e ajudou a distribuir 40 mil refeições (500 por dia) para a população de rua naquela ocasião.

Um ano antes, em 2019, o Teatro de Contêiner organizou a mostra O Fluxo Expõe – A Arte da Cracolândia, com trabalhos dos artistas Clayton Dentinho, Ed Peixoto, Fábio Rodrigues, Índio Badarós, Jaick MC, Rogério Roque, Wesley Marciano e Yóri Felipe Ken. Os 8 artistas produziam em situação de grande vulnerabilidade social no Fluxo (fluxo era o nome utilizado para designar a localidade próxima à Estação da Luz na capital, na qual havia então uma grande concentração de usuários de crack e de pessoas em situação de rua).

O amplo ateliê de costura que funciona no espaço dos fundos do Teatro de Contêiner Mungunzá, da Cia. Mungunzá de Teatro, estava em plena atividade nesta sexta-feira. Instalado após um investimento de 65 mil reais, o espaço (como todo o complexo, construído com contêineres marítimos, um de 12 metros e outros dois de seis metros) é a sede do Coletivo Tem Sentimento, que desenvolve um projeto de geração de renda com e para mulheres que vivem ali naquela região do Centro de São Paulo.

A arquitetura do teatro, dessa forma, além de se caracterizar como Habitação de Interesse Social, um espectro que deve ser protegido pelo Estado, não significa apenas uma intervenção de um grupo de teatro em uma região urbana, mas tornou-se um caso de desenvolvimento da própria linguagem do teatro dentro das conformações de uma pulsão urbanística. A Cia Mungunzá de Teatro deu um depoimento sobre essa relação. “Acabamos por apresentar novas vias de atuação. Novos formatos de políticas públicas. O nosso espaço se relaciona diretamente com a cidade e com os moradores do centro, seja por meio da arquitetura ou da dinâmica que criamos sem divisões”, explicou o ator Marcos Felipe.

Segundo informou a Agência Brasil, a Justiça de São Paulo concedeu nesta quinta-feira uma liminar que garante a permanência, pelos próximos 180 dias, do Teatro de Contêiner Mungunzá e do Coletivo Tem Sentimento no imóvel (que pertencente à prefeitura de São Paulo). A liminar da juíza Nandra Martins da Silva Machado, da 5ª Vara da Fazenda Pública, impede ações de desocupação e incursões da Guarda Civil Metropolitana e de outros órgãos como a que foi tentada na noite de terça. A juíza justificou que o teatro é composto por 15 estruturas de contêineres marítimos interligados, paredes de vidro, cobertura acústica, iluminação, além de um acervo artístico e cultural e que, por isso, a desocupação do imóvel não seria um processo simples e exigiria um “planejamento técnico e logístico para sua desmontagem, transporte e reestruturação”.

Outro motivo alegado pela Justiça é que o teatro tem programação confirmada até dezembro deste ano, e “cuja interrupção acarretaria prejuízos não apenas para o Teatro de Contêiner, mas para toda a sociedade e para os inúmeros artistas, educadores e públicos diretamente envolvidos”. Em nota publicada na manhã desta sexta-feira (22) em seu site oficial, a prefeitura informou que pretende revitalizar a região e construir um prédio de habitação de interesse social no terreno onde está o Contêiner. A administração municipal alegou ainda que já havia oferecido três áreas legalizadas para o Teatro de Contêiner Mungunzá, “que não cumpriu três ofícios para saída do terreno municipal ocupado irregularmente”. Ainda nesta quinta-feira, 21, a presidente da Funarte, Maria Marighella, disse que enviou ofício ao prefeito Ricardo Nunes para tentar trocar o terreno alvo do projeto da Prefeitura por outro do governo federal, caso seja possível, e manter o Contêiner em sua área de atuação.


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