Page 30 - ARTE!Brasileiros #56
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INSTITUIÇÕES MUSEU PAULISTA
Acima, manual da chocadeira, parte da mostra Casas
e Coisas; à dir., moldura do retrato em tamanho natural
de Santos Dumont, construída em 1904 pelo Liceu de
Artes e Ofícios de São Paulo
os hábitos de consumo e a complexa história da ins- e revelar o caráter construído dessa história será feito
tituição. Nesse núcleo mais ligado ao cotidiano está, por meio de uma série de intervenções multimídia. A
por exemplo, a exposição Casas e Coisas, que deriva mostra temporária também procurará relativizar essa
da pesquisa de doutorado de Vânia e que investiga visão “paulistocêntrica” da independência, ao mostrar o
como os objetos ajudam a construir a identidade de caráter plural dos vários movimentos independentistas
gênero e muitas vezes escondem formas arraigadas que eclodiram ao longo do século 19 no país.
de preconceito. Ou a mostra Territórios em Disputa, Tanto nessas intervenções como em outras expo-
que vai tentar mostrar como o conceito de território de sições que problematizam essa relação tensa entre
posse dos portugueses entra em conflito com a noção memória e ideologia, o importante é - segundo os cura-
de território dos povos indígenas que estavam aqui. dores - ensinar o público a questionar as imagens, não
Já o mergulho em busca de uma maior compreensão aceitar uma visão congelada, unidirecional, da história
da história e do papel do museu, aponta em duas linhas: nem considerar as imagens construídas como um duplo
mostrar ao público o trabalho feito pela instituição, seu do real. Imagens são imantadas de valores simbólicos,
papel como centro de pesquisa e de educação perten- que contribuíram fortemente para o silenciamento
cente à usp desde 1963, e ajudar a tornar transparente, de negros e índios e para uma falsa visão “pacífica”
revelar a forte estratégia ideológica presente no projeto das nossas relações sociais - como ficou evidente no
base do museu, inaugurado há 100 anos por Affonso recente debate acerca da estátua do Borba Gato. Afinal,
d´Escragnolle Taunay. Foi ele quem idealizou e conduziu como explica Garcez, muitas vezes o que se revela “é FOTOS: HELIO NOBRE / JOSÉ ROSAEL / ACERVO MUSEU DO IPIRANGA
com mão de ferro um projeto museológico para refor- uma narrativa apaziguadora, racista, sexista e elitista, à
çar a ideia de um protagonismo paulista na formação medida que também os personagens são quase todos
nacional, alçando as Bandeiras como momento fundador oriundos das elites do país. Então nós temos que de
e elemento dinamizador do progresso nacional - cor- alguma maneira enfrentar essas questões com o público”.
porificado no eixo monumental. Como esse núcleo é “Pensamos o museu como um laboratório de caráter
tombado como patrimônio imaterial pelas três esferas intelectual, educativo, mas também um laboratório de
- municipal, estadual e federal -, esse exercício de revisitar cidadania”, conclui ele.
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