Page 8 - ARTE!Brasileiros #55
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estamos De luto. Nestes meses, vários pensadores da cultura brasileira morreram, após
anos construindo uma obra grandiosa. O fotógrafo German Lorca, o arquiteto e urbanista
Paulo Mendes da Rocha, quase centenários, fizeram parte da nata do pensamento moderno.
por patriCia rousseaux, diretora editorial CARTA DA EDITORA
Mas, não bastasse estarmos atravessados pelas perdas de amigos, colegas e familia-
res, estamos atravessados pela morte de perto de meio milhão de cidadãos brasileiros.
Vítimas do Covid-19, um vírus feroz mal e porcamente combatido no Brasil.
Estamos atravessados pela inevitável consciência da perda dos valores de nossa
sociedade, que está em colapso. Dividida de tal forma, onde só se agudiza a violência.
Não é exagero dizer, citando palavras do escritor Bernardo Carvalho, que vivemos
um momento em que se insufla a barbárie. Amplos setores da população mobilizados
para negar o avanço que a pesquisa, o estudo e a ciência nos trouxeram ao longo dos
últimos séculos apenas colaboraram com o avanço das doenças. Provocações contra
os cuidados necessários! Provocações explícitas, em prol da “liberdade individual” e, de
preferência, armada.
Instituições públicas arrasadas por profissionais fantoches, uma gangue onde todos
mentem e se defendem entre si. Um país rendido a um projeto perverso, onde grandes
setores da população ainda acreditam num modelo de poder, o poder da exclusão. Da
punição. Religiosa, política, física, de gênero. Gente que mata gente. Sim, com balas
perdidas e balas dirigidas... Voltadas a mulheres, a negros, a quem resiste.
Nós somos naturalmente frágeis. Mas essa fragilidade se acentua na medida em
que amplos setores da sociedade são abandonados por esse projeto de poder, o que os
torna cada vez mais despossuídos. Está se negando o básico: a comida, a educação, a
saúde, a cultura.
Nessas, onde sobra a arte? Onde está? Já que não morreu. Mas não porque o que
morre com o passar do tempo são movimentos, estilos, vanguardas; e sim porque hoje,
aqui, nem todos estamos mortos. Ou porque, como diria a artista Jota Mombaça em
uma das suas obras, que já foi capa desta revista, A Gente Combinamos de Não Morrer.
Estamos de luto, sim, mas este, como na história de todas as culturas, é um processo
necessário para homenagear o que perdemos e, apesar da dor, sermos capazes de rein-
vestir nossa energia e força psíquica para seguir adiante.
Cuidar-nos e cuidarmos uns aos outros, estarmos vivos, ouvindo e acompanhando
onde está se produzindo, no meio a esta debacle. É necessário ler, escrever, pensar, pintar,
instalar. É necessário produzir arte, garantir um corpo pulsional que, afetado pelo seu
entorno, seja capaz de gritar, afetar o outro e o corpo social.
Assim, em nossas páginas a forma de fazer o luto é homenageando os artistas, pesqui-
sadores e editores da Enciclopédia Negra (Cia. Das Letras), que trabalharam exaustivamente FOTOS: COLEÇÃO MAXWELL ALEXANDRE | #COLERAALEGRIA | ISABELLA MATHEUS | CORTESIA GALERIA UTÓPICA
para reparar, em resposta às enciclopédias clássicas do Iluminismo - que durante mais de
200 anos só reproduziram e preconizaram modelos brancos e europeus de dominação -,
a ausência de centenas de homens e mulheres negros invisibilizados.
Tratamos também de várias exposições montadas por artistas e grupos sociais que
não deixaram de se encontrar virtualmente. Fabio Cypriano homenageia o centenário de
Joseph Beuys, um artista central na história da arte contemporânea, e ouve como exposi-
ções tradicionais, como a documenta de Kassel, se preparam para mudar completamente
suas estratégias expositivas.
Há, ainda, a reportagem que está nas mãos do jovem jornalista Miguel Groisman
dedicada a pesquisar artistas que documentam conflitos.
Enfim, estamos aqui e, fazendo nosso luto, lutamos.