Page 34 - ARTE!Brasileiros #53
P. 34

ARTIGO ARTISTAS AFRO-BRASILEIROS










                            sujeitos que pertencem a elas. A festa foi uma
                            conquista dos escravizados e o carnaval é um
                            legado extraordinário deles. Não é sem pro-
                            pósito que ela, a festa, seja frequentemente
                            demonizada pela elite branca e econômica
                           - as festas populares elaboradas aqui e ali
                            na obra desses artistas e que deveriam ser
                            incorporadas aos currículos e programações
                            que se pretendam decoloniais. A festa é uma
                            estratégia de sobrevivência dos asfixiados, se
                            exerce nas frestas de uma sociedade opres-
                            siva e têm múltiplas dimensões, inclusive
                            religiosa. Ela esta sugerida na obra de um
                            Heitor dos Prazeres (1898-1966), espécie de
                            polímata que certa narrativa em vias de se
                            tornar obsoleta reduziu a “pintor primitivo”,
                            espécie de patriarca daquele mesmo partido
                            que convencionamos chamar “popular” e que
                            hoje acolhe artistas negros e negras como o
                            pintor paulista André Ricardo, a gravadora
                            baiana Eneida Sanches, a multiartista para-
                            naense Lídia Lisboa e o poderoso xilogra-
                            vador piauiense Santidio Pereira - artistas
                            que embaralham e tornam bastante mais
                            complexa esta categoria. Na realidade, essas
                            e outras produções contestam as dicoto-
                            mias que contrapõem o erudito ao popular,
                            o centro à periferia e, em alguns casos, até
                            noções de gênero fossilizadas.
                               Através de suas ações e de rituais cotidia- são convocadas em nome de toda a comuni-
                            nos, a pintora paulista Heloisa Ariadne parece   dade a inventar suas histórias a cada obra e
                            pretender um resgate dos usos e sentidos   exposição realizada. Moisés Patrício batizou
                            originais dos alimentos e de seu consumo. Os   como Álbum de família a série de retratos
                            vegetais que a artista consome são assunto   realizados em plena pandemia que apre-
                            central de suas ações e de sua pintura de   senta os membros de sua família espiritual,
                            extração fauve, algo matissiana e africana.  isto é, os membros da casa de candomblé
                            Nas composições diretas de acento pop, cor- frequentada pelo artista. Existe um apelo,
                            pos negros trabalhados com massa de tinta   aliás, legítimo, que realça no discurso sobre
                            extraídas de bastões de óleo são contrapostos   a arte afro-brasileira os aspectos sobre a
                            a essa botânica feérica que ela cultiva, oferece   religiosidade dos seus autores, já que essa
                            em ritual e consome.                    religiosidade é pauta frequente e em muitos
                               No caso das famílias brancas, as genea- casos central das suas biografias. Vide os   FOTOS: REPRODUÇÃO/VIDEOBRASIL ONLINE
                            logias de arte e as suas famílias artísticas se   baianos Deoscóredes Maximiliano dos San-
                            estabelecem de modo mais ou menos paci- tos (1917-2013), o mestre Didi, escultor seminal,
                            fico; já as famílias artísticas negras perdem   escritor e sacerdote e o também escultor,
                            seus registros, são impedidas de retê-los e   pintor, gravador, professor Rubem Valentim

            34
   29   30   31   32   33   34   35   36   37   38   39