Page 6 - ARTE!Brasileiros #51
P. 6
esta eDição é um DoCumento dos 100 dias que atravessamos,
até aqui, acompanhando as notícias da morte de mais de 60 mil
brasileiros e mais de meio milhão de cidadãos vítimas de Covid-19
ao redor do mundo.
Como a sociedade e a arte, perplexas, conseguiram enfrentar
esta enorme provação? Como a arte se pronunciou? Como sofreu
e sofre junto?
por patriCia rousseaux, diretora editorial DOCUMENTO DA PERPLEXIDADE
No caso do Brasil, o negacionismo do governo e sua falta de uma
política clara, homogênea e enérgica de saúde pública, transformou
nosso dia a dia num duplo pandemônio. Não basta lutar contra o vírus,
é preciso lutar também contra o autoritarismo e a ignorância.
Frente ao vírus, sua invisibilidade teve a capacidade de fazer visíveis
a falta de cuidado de anos com as populações mais carentes. Onde
não há saneamento o vírus se propaga com mais facilidade. Ficaram
visíveis, escancaradas, mazelas seculares. Da esq. para
A violência do racismo; o ataque ao meio ambiente e aos povos a dir., acima,
indígenas, tão importantes na sua manutenção; a falta de auxílio Patricia
na saúde; o lugar da mulher que, além de trabalhar, cuida da família. Rousseaux e o
Politicamente, trouxe à tona grandes setores da sociedade totalmente programador e
editor web Coil
descompromissados com o outro, com a empatia, com a solidariedade. Lopes; abaixo, o
Nesse sentido, abriram-se novos caminhos de reflexão e designer gráfico
denuncia. Nesta edição, artistas indígenas, negras, curadores Enelito Cruz e
e especialistas refletem sobre diversos movimentos que nestes os repórteres
Miguel Groisman
meses irromperam contra a iconoclastia colonial que esteve e Marcos
aí desde sempre. Monumentos e esculturas e sua função histórica, Grinspum Ferraz
são questionados.
Ao mesmo tempo, apareceram novas
articulações de grupos independentes,
buscando dar conta da falta de Estado. A
organização de sistemas de doações. A
ressignificação de tarefas, a organização
de reuniões virtuais. A comunicação de
cancelamentos e adiamentos, procurando
privilegiar a saúde contra as aglomerações.
Tudo isto exigiu esforços das instituições,
empresas e profissionais que não estavam
preparados tecnologicamente.
A maioria dos artigos, ensaios e reportagens
desta edição conseguem fazer um balanço de como,
nos diferentes setores da comunidade artística e
cultural e, em vários setores da sociedade como um todo, há uma busca
de redefinições de comportamentos. Gestores dos mais importantes
museus falam aqui das suas preocupações, galeristas comentam o quanto
o mercado da arte foi atingido e revelam novos caminhos para se reerguer.
Nas palavras do líder indígena Ailton Krenak, organizador da Aliança
dos Povos da Floresta, no seu último livro O amanhã não está à venda,
“tomara que não voltemos à normalidade, pois, se voltarmos, é porque
não valeu de nada a morte de milhares de pessoas no mundo inteiro”.
Fiquemos todos com saúde e boa leitura.