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ENTREVISTA JOÃO PINA

             continua a ter quartéis com os nomes dos ditadores e que   condições políticas para a discussão caminhar. De algum modo,
             tivemos um deputado, agora presidente, dedicando seu voto   é um caso exemplar. Acho que seria impensável na Argentina
             no impeachment a um torturador que deveria ter sido preso   uma figura adotar um discurso como o de Bolsonaro sobre a
             por crimes de lesa-humanidade. E uma boa parte da população   ditadura e ter tamanha popularidade e destaque.
             acha que isso é normal. Portanto, enquanto essas condições
             objetivamente existirem é normal que esse tipo de resultado   Por fim, passando para o projeto 46750, sobre a violência no Rio de
             aconteça. As consequências são as que estamos vendo.  Janeiro, parece haver um diálogo forte – talvez não tão explícito – com o
                                                                que se vê em Condor, já que a violência policial no Brasil é ainda resquício
             Com a anistia veio essa ideia de que era preciso esquecer para seguir em   direto da violência repressiva da ditadura. Faz sentido?
             frente. É preciso, na verdade, lembrar para seguir em frente?  Faz todo o sentido. Eu comecei Condor em 2005 e o 46750
             É difícil dar uma receita. Tenho lido livros inclusive sobre o   em 2007, em uma fase em que eu estava muito focado em
             direito de esquecer, não só do direito de relembrar. Mas defi-  entender esses processos de violência, não só do passado
             nitivamente acho que ignorar o problema não é uma receita.   quanto do presente. E muito rapidamente para mim essa
             A história deve ser lembrada para se entender como é que as   violência do presente começou a mostrar suas nuances que
             coisas chegaram onde chegaram. E no Brasil esse exercício   vinham lá de trás. E, no caso do Rio, não tenho dúvida nenhuma
             é muito pouco feito. Esse exercício nunca foi feito dentro das   de que o fato de a Polícia Militar matar em média mil pessoas
             Forças Armadas, que continuam defendendo que houve uma   por ano tem a ver com essa cultura que vem da ditadura. Na
             revolução libertadora que salvou o Brasil do comunismo,   verdade, o que se vê ali é também resultado da impunidade
             esse bicho-papão que come criancinhas. De outro lado, boa   implementada pelos portugueses quando chegaram ao Brasil,
             parte da esquerda também não evoluiu seu discurso. Não   da escravidão, e depois da ditadura militar. O fato de a polícia
             podemos esquecer que o Partido dos Trabalhadores (PT)   brasileira ser uma polícia militar, a que mais morre e que mais
             esteve 12 anos no poder e fez muito pouco para discutir estes   mata no mundo, isso não vem de ontem, mas de 500 anos.
             assuntos. Houve uma Comissão Nacional da Verdade, mas o
             que se seguiu a isso, na prática, foi absolutamente nada. E   Existe uma discussão muito presente hoje no universo artístico de quanto
             com o atual panorama político, então, será menos que nada,   as artes visuais podem ser também um artifício potente para tratar da
             será o retrocesso, o reescrever da história.       história. Como você vê essa questão?
                                                                Acho que mesmo na academia hoje há uma preocupação
             Esse discurso de um governo que vem salvar o país do comunismo, de   crescente em tratar as coisas também fora do texto, usando
             1964, é muito semelhante ao que elegeu Bolsonaro...  a linguagem visual para isso. E eu percebi isso com Condor.
             Exatamente como em 1964, quando dizia-se que tudo era   Ao utilizar imagens para tratar deste assunto, rapidamente
             comunismo. Ou seja, quem diz que tudo é comunismo não sabe   comecei a ser contatado por professores e acadêmicos, e a
             sequer o que é comunismo. Comunismo, fascismo, são pala-  ser chamado para fazer conferências acerca do assunto. Acho
             vras que entraram no léxico distorcidas. Inclusive a esquerda   que começou a se perceber melhor, 200 anos depois do surgi-
             comete este erro quando acusa qualquer um de fascista. Às   mento da fotografia, o poder do visual e os contributos que ele
             vezes chama de fascistas pessoas que são neoliberais, o que é   pode dar inclusive para a academia, seja em uma aproximação
             completamente diferente. Mas enfim, é uma discussão longa,   apenas documental ou mais artística, poética, mais livre.
             que tem a ver com a falta de educação política e cívica. Temos
             que pensar como se pode ultrapassar isso. O Brasil sofre muito   Você acredita que a arte, e mais especificamente a fotografia, pode ter
             com a falta de educação formal, digamos assim, e a história   alguma virtude reparadora? Quer dizer, tanto para as vítimas de violências
             se torna mais manipulável. E se muitos brasileiros, mesmo   quanto mesmo para a sociedade, trabalhos como esses que você faz podem
             na escola, não aprendem de fato o que aconteceu em 1964,   ter também um papel de cura, digamos assim?
             em 1968, na Guerrilha do Araguaia etc., isso é preocupante.  Não sei, talvez seja muito pretensioso ou utópico pensar desta
                                                                maneira. Não acho que uma imagem em si vá sanar, curar ou
             E nos outros países da América do Sul que você pesquisou, o quadro é   dar justiça a quem quer que seja. Mas acho que ela pode sim
             muito diferente?                                   contribuir, tal como o texto, a pintura e a música, para que exista
             As situações são distintas. A Argentina é um país onde essas   alguma espécie de justiça, reparação e mais bem-estar para
             questões são muito presentes, porque logo após a ditadura a   as vítimas. E, também, mais mal-estar para os culpados, que
             sociedade civil mobilizou-se muito – e as vítimas também eram   ao se verem retratados possam talvez repensar o que foram
             muitas. Então isso passou a estar na ordem do dia e houve   suas atitudes, perceber as consequências do que fizeram.

                                                                                    Veja galeria de fotos em artebrasileiros.com.br
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