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ENTREVISTA JOÃO PINA
FOTOGRAFIA DA MEMÓRIA
COM TRABALHOS SOBRE A RESISTÊNCIA À DITADURA SALAZARISTA EM PORTUGAL,
A OPERAÇÃO CONDOR NA AMÉRICA DO SUL E A VIOLÊNCIA POLICIAL NO RIO DE
JANEIRO, FOTÓGRAFO PORTUGUÊS JOÃO PINA TRATA, A PARTIR DE REGISTROS
ATUAIS, DE HISTÓRIAS E TRAUMAS DO PASSADO
POR MARCOS GRINSPUM FERRAZ
SEJA EM PORTUGAL, sua terra de origem, ou nos vários países da América Latina onde
trabalhou, o fotógrafo João Pina, 38, dedicou boa parte de seus 20 anos de carreira a fazer
“com que histórias não caiam no esquecimento”. Da família herdou o interesse pela política – os
avós, militantes comunistas, foram presos políticos durante o regime salazarista. Compreendeu,
também, a importância da memória e de conhecer o passado tanto para entender o presente
quanto para reparar traumas e injustiças históricas.
Não à toa, Por Teu Livre Pensamento, seu primeiro trabalho autoral, foi uma espécie de acerto
de contas com a própria história, a partir de registros de sobreviventes da perseguição política
em Portugal. Condor, projeto que demorou nove anos para ser concluído e resultou em um livro
e uma série de exposições ao redor do mundo, investigou a Operação Condor, articulação entre
seis ditaduras militares sul-americanas (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai)
organizada para reprimir a oposição de esquerda.
Vieram ainda outros projetos em Portugal, em Cuba, na Colômbia (sobre as FARC), no Rio de
Janeiro (46750, que leva no nome o número de homicídios ocorridos na cidade entre 2007 e
2016), entre outros. Atualmente, o fotógrafo desenvolve um trabalho sobre Tarrafal, campo
de concentração criado pelo governo português em Cabo Verde nos anos 1930, e começa a se
debruçar sobre a herança escravocrata em Portugal. Infelizmente, segundo Pina, olhar para o
passado é um trabalho ainda pouco feito tanto no Brasil quanto em seu país – apesar de que lá
as discussões sobre o colonialismo e a ditadura começam a se tornar mais presentes.
No caso brasileiro, mais preocupante para o fotógrafo, o resultado é, entre outros, a eleição
de um presidente, Jair Bolsonaro, que elogia “um torturador que deveria ter sido preso por
crimes de lesa-humanidade”. Além disso, no caso do Rio de Janeiro, “não tenho dúvidas de
que o fato de a Polícia Militar matar em média mil pessoas por ano tem a ver com essa cultura
que vem da ditadura”, afirma.
Em cada projeto, a partir de longa pesquisa e investigação, Pina constrói narrativas sobre his-
tórias escancaradas ou escondidas, presentes ou passadas. A violência que aparece explícita
nas cenas atuais de ações policiais no Rio surge, de outro modo, silenciosa em uma sala vazia
que foi utilizada para sessões de tortura na Argentina ou, ainda, nos rostos de sobreviventes
de tortura nos países sul-americanos.
Com atuação cada vez maior fora do fotojornalismo, onde iniciou a carreira, Pina passou a
expor, ao longo dos anos, em museus e galerias, além de ter publicado três livros. “Está comple-
tamente fora do meu controle e não me interessa como o mercado ou a academia classificam
meu trabalho – se é fotografia documental, artística, jornalística. O que me interessa é contar
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