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HAJA ESQUECIMENTO!

             POR PATRICIA ROUSSEAUX, DIRETORA EDITORIAL


                               PARA A CIÊNCIA MÉDICA e, mais    Hoje os desafios contemporâneos exigem novos caminhos
                               recentemente,  a  neurociência,  de   de pesquisa. Especialistas de diferentes disciplinas, por
                               forma muito simplista, a memória   exemplo, montaram o Programa de Pós-Graduação em
                               comporta processos complexos pelos   Memória Social da Universidade Federal do Estado do
                               quais o indivíduo codifica, retém e   Rio de Janeiro (UNIRIO), onde investigam o conceito de
                               armazena e, por último, resgata infor-  memória inserida em um campo de lutas e de relações de
                               mações. Ao recuperar as informações,   poder, configurando um contínuo embate entre lembrança
             dois mecanismos são importantes: o resgate e o reconheci-  e esquecimento, entendendo a “memória social” como
             mento, que envolvem comparar estímulos antigos com novos.   um campo inter ou transdisciplinar. No começo do século
             Isso ajudaria, no mecanismo, a evitar falsas lembranças.   XX, a memória social era entendida como o estudo de
             Não obstante, no final do século XIX, com o advento dos   sistema de valores que unificavam determinados grupos
             estudos freudianos, o aparelho de memória ganhou outros   sociais, religiosos, de classe, de território.
             contornos. Freud introduz a importância da lembrança e   Porém, agora essas questões estão totalmente subver-
             do esquecimento como foco no tratamento de pacientes,   tidas pela tecnologia, pelas migrações, pelas questões
             em oposição a uma teoria mecânica da memória. As   de gênero, pela sobrecarga informacional, midiática,
             lembranças sofreriam ação de forças opostas, aquelas   etc. “Os pesquisadores do campo da memória, entre
             que buscam a lembrança como supostamente ela foi e   os quais incluímos nossos alunos, trazem questões que
             aquelas que exercem uma resistência, produzindo um   nem sempre podem ser respondidas com os conceitos
             “falseamento na recordação”.                       tradicionais dessa área de estudos: questões relativas ao
             Mecanismos do aparelho psíquico — o deslocamento, o   patrimônio imaterial, aos novos usos da linguagem, à crise
             recalque, a recusa de traços de memória — formarão parte   das instituições, às novas estratégias de resistência, da
             desse “falseamento da recordação”.                 subjetividade e da criação artística”, dizem Jô Gondar e
             A memória vai cumprir um papel fundamental ao longo   Vera Dodebei na apresentação do livro O que é memória
             de toda a teoria psicanalítica.                    social? (Contra Capa, 2005).
             Em 1914, Freud escreve o texto intitulado Recordar, repetir   Atualmente, presenciamos fatos e declarações de vários
             e elaborar, onde articula com mais precisão os mecanismos   setores de nossa sociedade interessados em não lem-
             do binômio lembrança/esquecimento, e acrescenta mais   brar, grupos sociais que, pelo contrário, fazem questão
             uma aplicação à prática psicoterapêutica. Freud introduz   de esquecer.
             a “transferência” e a importância do psicanalista no pro-  A arte, como já cansamos de dizer, não é dissociada do
             cesso de trabalho com as lembranças do paciente, com a   corpo social e permite, nesta edição, que essas ques-
             sua memória.  Ao mesmo tempo percebe, na “repetição”   tões apareçam como preocupações nas representa-
             de traços, atos e representações psíquicas inconscientes   ções textuais ou visuais, nos debates, nas entrevistas
             dos pacientes, um intento ou forma de recordar. Cria-se,   e análises que nossos colaboradores apuraram neste
             de alguma forma, uma “nova memória”, daquilo que “não   último período.
             se quer recordar”.                                 As instituições estão querendo olhar para seus arquivos
             O conteúdo dessa repetição são todas as inibições, traços   para falar do presente. Artistas, historiadores e arqui-
             patológicos e seus sintomas. Lacan, por sua vez, na linha   vistas estão pesquisando nos documentos e fotografias
             freudiana, diz: “A análise veio nos anunciar que há um   do passado o que não quer ser lembrado e o porquê. As
             saber que não se sabe”. A análise teria a finalidade de   montagens estão preocupadas em preservar efeitos de som
             possibilitar que advenha a verdade do sujeito.     e legibilidade para melhorar a compreensão do visitante.
             Mas o ser humano se constrói na relação com o outro,   A arte nos permite construir uma “memória de luta” contra
             se firma socialmente, e em uma ordem simbólica que   o esquecimento e a barbárie.
             precede o próprio sujeito. Um aparelho psíquico, ou de
             memória, nunca é só. É pelas constatações ao longo da   GONDAR, Jô e DODEBEI, Vera (orgs.). O que é memória social?, Rio de Janeiro. Contracapa Livraria Ltda.
                                                                Programa de Pós-Graduação em Memória Social da UFRJ, 2005.
             teoria psicanalítica que podemos considerar também a   FREUD, S. Recordar, repetir e elaborar (Novas recomendações sobre a técnica da Psicanálise II). In Obras
             teoria da memória, em Freud, enquanto uma teoria da   psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1999.
                                                                HALBWACS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.
             “memória social”.                                  JUNIOR, Gabbi; FARIA, Osmyr. A teoria do inconsciente como teoria da memória. Psicologia USP 4.1-2, 1993.







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