Page 68 - ARTE!Brasileiros #47
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HUDINILSON JR, AMANTES E
CASOS, SENTENÇA DE MORTE, 1978
a máquina. Como não lembrar de Hélio Oiticica quando corpos nus que retirava de revistas americanas. Em 1984,
sentenciou: “experimentar o experimental”? Hudinilson abandona esses modelos e centra toda a sua atenção em
se expressa, sem pudor, por meio de várias linguagens torno dele mesmo, quando se dedica a Narcise/Estudo
que, em algumas circunstâncias, passa a ser instrumento para autorretrato (1984). Nesse “ensaio” dialoga com
de especulação. Para o crítico Jean-Claude Bernardet, “a o mito de Narciso e cria sua própria identidade visual.
fragmentação do corpo pela xerox, converte-o em paisa- O projeto envolve uma série de trabalhos, como uma
gens abstratas, nas quais os fragmentos se esvaem”. Em espécie de “ópera”. Narciso passa a ser obsessão para
sua performance com a máquina copiadora, ele utiliza ele que, nos últimos cadernos de colagens, revela seu
seu corpo como matriz para a reprodução e investigação interesse pelo estudo do nu masculino.
de possibilidades visuais. Na década de 1980, o lugar da arte de Hudinilson é a
Em 1979, Hudinilson cria o grupo 3Nós3, com os artistas rua, onde inventa grafites com desenhos incorporados à
Rafael França e Mário Ramiro. A união por afinidades escrita, numa reivindicação de espaço de liberdade total.
eletivas era de amigos que pactuavam arte e forma de Seu mentor e cúmplice, Alex Vallauri (1949-1987), foi o
fazer arte. Até 1982 eles intervêm em vários pontos de primeiro artista brasileiro a aderir ao grafite. Como ele,
São Paulo, praticando a reapropriação lúdica e crítica da Hudinilson trabalha com máscaras ou estênceis na busca
cidade. O repertório de ações vai desde o ensacamento de um novo espaço formal para criar, uma resistência em
de monumentos públicos à intervenção no buraco de vão, como se fosse possível alguma naturalidade na arte.
respiração de um túnel, à lacração de portas de galerias Em vida Hudinilson se salvou de experimentar a vertigem
de arte. Todas entendidas como marco revolucionário ilusória de pertencer ao mercado de arte e de participar
contra as determinações racionalistas e controladoras da internacionalização por meio das maratonas repe-
da metrópole. Mesmo atuando com o grupo, ele jamais titivas de feiras e bienais. Só depois de sua morte seus
abandona sua produção individual que dura mais de trabalhos chegam ao exterior e desembarca, em junho,
três décadas. na Art Basel, na Suíça, a mais antiga e reverenciada
Desde o início, Hudinilson mantém uma forte relação entre as feiras de arte do mundo.
com a colagem, ponto de partida para uma fase comen-
tarista. A isso se somam experimentos na xilogravura, Hudinilson Jr.
suporte pelo qual a maior parte dos artistas brasileiros Até 03 de Agosto de 2019
passou, utilizando decalques de imagens fotográficas. Na Galeria Jaqueline Martins
Hudinilson passava longas horas escolhendo fotos de Rua Dr. Cesário Mota Junior, 433 - Vila Buarque, São Paulo
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