Page 22 - ARTE!Brasileiros #47
P. 22

BIENAIS 58ª BIENAL DE VENEZA

             PELA PRIMEIRA VEZ, a Bienal de Veneza, criada nos    AO LADO, TERESA MARGOLLES.
             modelos das exposições universais, ou seja, onde cada   MURO CIUDAD JUÁREZ, 2010.
             país mostra o que tem de melhor, apresenta um pavi-  ABAIXO, NEVERLAND, DO ARTISTA
             lhão para artistas refugiados. Neverland, do artista turco   TURCO HALIL ALTINDERE
             Halil Altindere, seria esse espaço, mas ele é apenas uma
             fachada, que se torna uma metáfora nos tempos das fake
             news, um dos temas de May you live in interesting times
             (que você viva em tempos interessantes), título da 58ª
             Bienal de Veneza.
             Altindere já trabalhou com esse tipo de crítica social em
             Wonderland (2013), um clipe de hip hop que abordava os
             processos de gentrificação em Istambul, premonitório por
             ser feito pouco antes das manifestações contra a destrui-
             ção da praça Taksim, na capital turca. O trabalho se tornou
             uma febre nas mostras de arte contemporânea, incluindo
             as bienais de Istambul, em 2013, e São Paulo, em 2014.
             Agora em Veneza, contudo, Altindere parece reafirmar o
             óbvio: mentira e disparidade social são chaves do tempo
             presente, não há inclusão viável nas sociedades do século
             21 e seu trabalho é um mero comentário estetizante
             dessa catástrofe.
             Neverland estaria inserida em uma das temáticas desta
             edição da Bienal, as fake news, definidas por seu curador,
             o norte-americano Ralph Ruggof. O nome da bienal já
             aponta isso, pois “que você viva em tempos interessantes”
             seria uma expressão citada como um provérbio chinês por
             figuras como Hillary Clinton, mas, segundo ele, é dessas
             traduções culturais que não se confirmam. Que tédio.
             Se a frase em si já é sem graça, a Bienal cai em simpli-
             ficações rasteiras, como a mais famosa e comentada
             desta edição que é, sem dúvida, Barca Nostra, do suíço
             Christoph Büchel. Ele levou à Veneza um navio naufra-
             gado, em 2015, que transportava quase mil refugiados
             e apenas 28 sobreviveram. Segundo um texto no site
             egípcio Mada, escrito por Alexandra Stock, o custo total
             para transportar o navio para a mostra chegou a imorais
             33 milhões de euros.
             Com trabalhos que carregam esse tipo de contradição,
             onde para se tratar de um assunto premente gastam-se
             valores absurdos e a formalização reduz o conteúdo à
             mera ilustração, esta bienal já parte de um nível baixo.
             Mesmo uma artista com uma obra contundente, como a
             mexicana Teresa Margolles, acabou nessa mesma toada,
             ao exibir partes de um muro de concreto cheio de balas,
             transportado de Ciudad Juarez, metrópole que faz divisa
             com os Estados Unidos. A obra, de 2010, já falava dos
             muros muito antes do governo Trump, mas em Veneza
             perde força ao se tornar uma ilustração das propostas
             atrasadas do presidente norte-americano.


            22




         BOOK_ARTE_47_JUNHO2019.indb   22                                                                        17/06/19   22:31
   17   18   19   20   21   22   23   24   25   26   27