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BIENAIS 58ª BIENAL DE VENEZA
PELA PRIMEIRA VEZ, a Bienal de Veneza, criada nos AO LADO, TERESA MARGOLLES.
modelos das exposições universais, ou seja, onde cada MURO CIUDAD JUÁREZ, 2010.
país mostra o que tem de melhor, apresenta um pavi- ABAIXO, NEVERLAND, DO ARTISTA
lhão para artistas refugiados. Neverland, do artista turco TURCO HALIL ALTINDERE
Halil Altindere, seria esse espaço, mas ele é apenas uma
fachada, que se torna uma metáfora nos tempos das fake
news, um dos temas de May you live in interesting times
(que você viva em tempos interessantes), título da 58ª
Bienal de Veneza.
Altindere já trabalhou com esse tipo de crítica social em
Wonderland (2013), um clipe de hip hop que abordava os
processos de gentrificação em Istambul, premonitório por
ser feito pouco antes das manifestações contra a destrui-
ção da praça Taksim, na capital turca. O trabalho se tornou
uma febre nas mostras de arte contemporânea, incluindo
as bienais de Istambul, em 2013, e São Paulo, em 2014.
Agora em Veneza, contudo, Altindere parece reafirmar o
óbvio: mentira e disparidade social são chaves do tempo
presente, não há inclusão viável nas sociedades do século
21 e seu trabalho é um mero comentário estetizante
dessa catástrofe.
Neverland estaria inserida em uma das temáticas desta
edição da Bienal, as fake news, definidas por seu curador,
o norte-americano Ralph Ruggof. O nome da bienal já
aponta isso, pois “que você viva em tempos interessantes”
seria uma expressão citada como um provérbio chinês por
figuras como Hillary Clinton, mas, segundo ele, é dessas
traduções culturais que não se confirmam. Que tédio.
Se a frase em si já é sem graça, a Bienal cai em simpli-
ficações rasteiras, como a mais famosa e comentada
desta edição que é, sem dúvida, Barca Nostra, do suíço
Christoph Büchel. Ele levou à Veneza um navio naufra-
gado, em 2015, que transportava quase mil refugiados
e apenas 28 sobreviveram. Segundo um texto no site
egípcio Mada, escrito por Alexandra Stock, o custo total
para transportar o navio para a mostra chegou a imorais
33 milhões de euros.
Com trabalhos que carregam esse tipo de contradição,
onde para se tratar de um assunto premente gastam-se
valores absurdos e a formalização reduz o conteúdo à
mera ilustração, esta bienal já parte de um nível baixo.
Mesmo uma artista com uma obra contundente, como a
mexicana Teresa Margolles, acabou nessa mesma toada,
ao exibir partes de um muro de concreto cheio de balas,
transportado de Ciudad Juarez, metrópole que faz divisa
com os Estados Unidos. A obra, de 2010, já falava dos
muros muito antes do governo Trump, mas em Veneza
perde força ao se tornar uma ilustração das propostas
atrasadas do presidente norte-americano.
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