Page 37 - ARTE!Brasileiros #45
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Marcados | Claudia Andujar
Por Marcos Grinspum Ferraz
Para os médicos que acompanhavam Claudia Andujar nos territórios Yanomami, no início dos anos 1980, as fotos
deveriam ser simples registros dos habitantes daquela região amazônica. Como os índios Yanomami não pos suíam
nomes próprios, os números nas placas penduradas em seus pescoços serviriam como identificação para que os
profissionais pudessem fazer o trabalho de saúde pública necessário. Dado o contato crescente com o homem
branco, a vacinação se tornava urgente para que epidemias não dizimassem os Yanomami. Para os médicos,
“deveria ser um clique e acabou”, como contou Andujar anos depois. “Mas para mim não poderia ser assim.” De
fato, a série “Marcados” é muito mais do que um trabalho de identificação. Os gestos, expressões e olhares dos
Yanomami, captados pela câmera de Andujar, revelam o trabalho não apenas ético, mas estético da artista, com sua
capacidade de apresentar mundos objetivos e subjetivos, de captar sutilezas e violências, esperanças e tragédias,
corpos e almas. Não à toa as fotos integraram tantas exposições ao longo das décadas, incluindo a Bienal de São
Paulo, tornaram-se parte do acervo do pavilhão da fotógrafa em Inhotim e viraram livro. Marcados – para viver ou
morrer? – revela um mundo índio que, sempre ameaçado, parece correr risco ainda maior quando um presidente
eleito diz ser contra demarcações de terra e promete acabar com o “coitadismo” das minorias. Contra tamanha
violência e ignorância, vale lembrar das palavras do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro: “Temos que aprender
a ser índios, antes que seja tarde. Aprender como viver em um país sem destruí-lo, como viver em um mundo sem
arrasá-lo e como ser feliz sem precisar de cartão de crédito. O encontro com o mundo índio nos leva para o futuro,
não para o passado”. Em imagens, Claudia Andujar parece nos fazer esta mesma afirmação.
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