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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO
EM NOME DAQUELES
QUE VIERAM ANTES
A PRESENÇA DA ANCESTRALIDADE NO LEGADO DE MESTRE DIDI VAI ALÉM DA RELIGIÃO,
SE COMPORTANDO COMO UM ATO POLÍTICO DO ARTISTA EM FAVOR DE SEUS IGUAIS
POR JAMYLE RKAIN
EM 2017, foi comemorado o centenário de um projeto para crianças até 14 anos para
Mestre Didi, como era chamado o sotero- que aprendessem sobre seus ancestrais por
politano Deoscóredes Maximiliano dos meio de contos e da tradição oral”, comenta.
Santos. Artista plástico, escritor e sacer- Essa iniciativa remonta à vida do próprio Didi,
dote, recebeu diversas homenagens no tendo em vista que cresceu no Ilê Axé Opó
estado onde nasceu. Agora, é a vez da Afonjá, onde aprendeu sobre suas raízes nas
trajetória de Didi ser celebrada pela Galeria histórias que eram contadas principalmente
Almeida e Dale, em São Paulo, com a expo- por Mãe Anininha, a qual considerava uma
sição Mo Ki Gbogbo In – Eu saúdo a todos avó, e Mãe Senhora, sua mãe biológica. Para
que tem abertura no dia 7 de abril. o pesquisador, esse era um ato político do
Para compreender a arte de Mestre Didi, é artista, que “não participava de movimentos,
preciso entender a forte ligação dele com a mas movimentava sua própria comunidade”.
ancestralidade. Filho de uma ialorixá com Com sua mulher, Juana Elbein dos Santos,
muita influência na introdução do Candomblé e do fotógrafo Pierre Verger, que tem foto-
no País, o artista dedicou sua vida a preser- grafias na mostra (assim como Mário Cravo
var a memória de seus ancestrais africanos Neto), Mestre Didi foi à Nigéria e à República
e afro-brasileiros por meio das narrativas do Benin em 1967. Patrocinada pela UNESCO,
visuais, escritas e orais que produziu. iriam fazer uma comparação entre a arte
Para Antônio Marcos dos Santos Cajé, mestre sacra produzida no Brasil e na África Ociden
-
em História da África, da Diáspora e dos Povos tal. “Foi uma viagem na qual ele foi buscar
Indígenas pela Universidade do Recôncavo suas raízes. Por isso, foi a partir dela que
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Baiano e amigo do artista, a questão da ances ele começou a compreender muito melhor
tralidade em Mestre Didi não pode ser vista as suas origens”, declara Antônio Marcos.
apenas sob o olhar religioso: “Quando As obras presentes na exposição Mo Ki Gbo-
falamos de ancestralidade, falamos de gbo In datam majoritariamente de um período
cultura no geral. Ela tem um papel cen - posterior à essa descoberta feita por Didi.
tral na religião, mas não só. Fala-se em nome Desta forma, é possível visualizar com muito
MESTRE DIDI,
OPÁ EXIM ATI EJÓ de um conjunto maior”, afirma. mais afinco esse encontro de Didi com o que
MEJI, CETRO COM
LANÇA E DUAS O artista tinha uma enorme preocupação seria sua identidade. São 48 esculturas do
SERPENTES
CETRO COM com a identidade da população negra. Acre- artista exibidas pela Almeida e Dale, em par-
LANÇA E DUAS
SERPENTES, ditava que, por meio do reconhecimento das ceria com a Paulo Darzé Galeria, de Salvador.
NERVURA DE
PALMEIRA, histórias passadas, era possível fortalecer Além delas, são expostos ibirís e xaxarás ori-
COURO PINTADO,
BÚZIOS E CONTAS a luta contra o racismo. “Mestre Didi criou ginais e depoimentos de Mestre Didi.
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Book_ARTE42.indb 42 3/22/18 6:10 PM