Page 58 - ARTE!Brasileiros #39
P. 58
EXPOSIÇÃO SÃO PAULO
brasileira. A obra, que tem grande impacto devido como fazer seu próprio cachimbo. “Com os folhetos, eu mos-
ao trabalho dos atores, ganha ainda mais força tro a criatividade que há nesses objetos. Produzi-los é algo
no edifício da Estação Pinacoteca, que, de 1940 complexo, eu mesmo sofri muito quando tentei fazer um. É
a 1983, foi sede do Dops (Departamento Estadual por isso que há uma profissão que, dentro da Cracolândia, é
de Ordem Política e Social de São Paulo), uma das a do cachimbeiro, alguém especializado nisso.”
polícias políticas mais truculentas do País. O artista pontua que, ao expor esses objetos em um museu,
O trabalho de Bahia integra a exposição Metró- sempre há um risco de eles serem fetichizados. “O trabalho car-
pole: Experiência Paulistana, em cartaz no museu. rega essa contradição. É muito interessante porque as pessoas
São exibidas obras de 33 artistas, com nomes dessa bolha que é a arte contemporânea olham os cachimbos,
consagrados, como Carmela Gross e Leonilson, e acham lindo ou qualquer coisa do tipo e depois saem na rua
profissionais mais jovens, cuja produção começa e precisam lidar com os usuários ali ao lado da Pinacoteca.
a ser conhecida. A exposição é a última da ges- É doido porque se cria um fetiche por objetos feitos pelos
tão de Tadeu Chiarelli, que será substituído por usuários, pessoas vistas como zumbis pela nossa sociedade.”
Jochen Volz. O artista também comenta a relação da obra com o prédio: “O
Chiarelli, que também é o curador da mostra, fala trabalho dialoga com esse edifício que historicamente oprimiu
sobre o projeto: “Em vez de enaltecer a iconografia muita gente. A pergunta que fica é: quem são os nossos exilados
paulista, que obviamente é belíssima, eu queria hoje? É preciso olhar para o próprio entorno da Pinacoteca”.
mostrar a perspectiva dos artistas sobre a metró -
pole, enfatizando as contradições de São Paulo, REVISÃO HISTÓRICA
que no fundo são uma síntese do País”. No segundo eixo da exposição, destaca-se a escultura Templo
Para exibir esses múltiplos olhares, o curador de Minha Raça, de Victor Brecheret, datada de 1921. A obra
partiu de três referenciais: o Pico do Jaraguá, retrata a figura dos bandeirantes. “A escultura tem essa pre-
o Monumento às Bandeiras e o próprio edifício ocupação com o movimento, o deslocamento da população,
da Pinacoteca. A maior parte dos trabalhos se um tema que era muito caro ao artista”, afirma o curador.
encontra no segundo andar da instituição, mas Em frente a esse trabalho, em uma posição de confronto, há
também há obras espalhadas pelos elevadores, uma escultura de Jaime Lauriano. Trata-se de uma réplica,
a biblioteca e os outros andares. O intuito é que em pequena escala, do Monumento às Bandeiras, de Breche-
o público percorra todo o edifício, que também ret, feita a partir das munições da Polícia Militar e das Forças
abriga o Memorial da Resistência. Armadas. A obra chama a atenção para parcelas da população
Junto com o trabalho de Bahia, outra obra que que não se reconhecem nos símbolos da cidade, ainda muito
dialoga com o entorno do prédio é a de Raphael associados à origem bandeirante.
Escobar. O artista apresenta uma coleção de Chiarelli fala sobre o diálogo entre as produções: “Quando eu
cachimbos utilizados para o consumo de crack. exibo uma obra de Brecheret e na frente dela coloco outro
“Alguns eu compro, outros eu troco com conhe- trabalho, que é um arma de ataque feita por um jovem artista,
cidos meus. O interessante é que esses objetos eu ressignifico esse monumento. Aponto para outras possi-
são bem específicos da região da Luz, sendo feitos bilidades de compreensão do trabalho. E o papel do museu
de materiais eletrônicos como antena de rádio e é justamente mostrar como cada geração analisa as obras
capacitor de carro.” de arte de uma maneira diferente, muitas vezes distante do
Escobar também apresenta um manual que ensina sentido original”.
Book_POR_ARTE39_v1.indb 58 03/05/17 19:44