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EXPOSIÇÃO SÃO PAULO
A arte de Denilson Baniwa traduz o universo
indígena com ativismo, provocação e pesquisa
por leonor amarante
CRÍTICA E EROTISMO
TEMPERAM A EXPOSIÇÃO
‘MOQUECA DE MARIDOS’
a galeria a gentil carioca desembarcou em São reestruturar a sociedade indígena. É claro que sabendo
Paulo há um ano e meio e instalou seu espaço expandido o que ocorreu no passado e ainda acontece, é preciso
numa charmosa travessa sem saída, em Higienópolis. que se faça a reconstrução, e que seja a partir de hoje”.
Denilson Baniwa expõe atualmente um conjunto de Denilson aponta o excesso de outros mitos vindos
obras com o humorado título Moqueca de maridos, de fora, seja por conta da religião ou da cultura de
reunindo trabalhos que abordam conceitos defendidos massa. “Nesta exposição há trabalhos que falam de
por ele, como o impacto do sistema colonial de cate- mitologias ainda ancestrais, um deles reconstrói a fala
quese sobre os indígenas e a preservação da cultura sobre a possibilidade de se encontrar o céu, um céu
de todas as etnias. Denilson é ativista e atua também que a gente sabe que existe, mas não conhece, e que
na publicidade, cultura digital e no hackeamento, cons- todo mundo fala que é bom”. Denilson comenta duas
truindo uma imagética indígena que circula em revistas, mitologias contidas nessa lenda. A primeira fala de
filmes e séries de TV. uma festa no céu, onde só quem voasse poderia entrar.
Visito a mostra com ele. Todas as obras expostas Um jaboti ouviu que o céu é divertido e quis ir, então se
têm a ver com sua pesquisa sobre o contato do mundo meteu na bolsa de um pássaro. Quando ele chegou lá
ocidental com os indígenas. Denilson fala dos estragos não gostou do que viu, quis voltar, mas como não voa
provocados pelas construções de internatos indígenas ficou por lá, escorregou e caiu na terra, por isso carcaça
que funcionavam em internatos católicos, edificados deles é achatada. “Quando a igreja católica chega e
em territórios indígenas. “Na minha região, interior promete a nós a redenção no céu, ninguém entende
do Amazonas, havia algumas dessas instituições que que céu é esse, então a gente perde a força do nosso
obrigavam as crianças a irem para lá e esquecer seu corpo e do pensamento que ficam à disposição desse
idioma e sua identidade. Meus pais e avós foram inter- tal céu. Esse trabalho fala desses possíveis céus que
nados também e ficaram com traumas. A presença de te escravizam”.
estrangeiros na catequese contribuiu para o desapa- O antropólogo e cineasta Carlos Fausto, que assina
recimento do idioma de indígenas de várias etnias por a curadoria dessa mostra, escreve em seu texto: “Denil-
todo o Brasil”. son põe em cena as formas do comer, sexual e canibal,
Arbitrariedades e ameaças ainda hoje se alastram em que gente e bicho se misturam, a freira iluminada
por várias localidades e causam terror, por isso muitos recebe um vibrador, a anta com seu enorme pênis dança
indígenas se tornam católicos, e os que resistem são colada à moça, um casal suga um espaguete de tripas
demonizados. O nome da exposição é o retirado do e uma mulher devora delicada e sensualmente o braço
livro Moqueca de Marido: Mitos eróticos indígenas, do marido, deitada em sua rede-canoa estendida no
de Beth Mindlin. “A publicação reúne vários contos infinito. Eu quero é moqueca!” Quando acabei de ler
sensuais, eróticos escatológicos, que eu trouxe para pensei, ufa!, ainda bem que não me confundi com esse
dentro da pesquisa. A catequização criou o tabu do texto que tem a alma da exposição Forrobodó, cuja festa/
pecado, com toda forma de punição, inclusive reprimindo vernissage aconteceu na matriz da A Gentil Carioca, em
a liberdade sexual, por exemplo, e isso traz traumas. O pleno centrão do Rio, com performances endiabradas
abuso é histórico, mas agora temos a possibilidade de com cara de carnaval antecipado.
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