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35ª BIENAL DE SÃO PAULO CRÍTICA
Com 121 artistas e participantes, a maioria não brancos,
Coreografias do impossível aborda das ruínas da
modernidade a ações afirmativas de coletivos
por fabio cypriano
O GRANDE CORO DE
VOZES NEGRAS,
INDÍGENAS E LGBTQIAPN+
um dos primeiros trabalhos de Coreografias do iniciativas e narrativas que questionam a história oficial,
impossível no térreo do Pavilhão da Bienal de São por meio de trabalhos e gestos não necessariamente
Paulo é o pedestal de um monumento. Essa base no campo da arte convencional.
serviu para uma performance da artista de origem Entre eles estão tanto coletivos atuais, como a pau-
maya-caqchiguel, da Guatemala, Marilyn Boror Bor, listana Frente 3 de Fevereiro e o argentino Archivo de la
na qual suas pernas foram cimentadas. Após alguns Memoria Trans Argentina (amt), a trabalhos de quase
minutos, contudo, ela deixou o pedestal vazio. dois séculos atrás, como os do boliviano Melchor María
Durante a 35ª Bienal de São Paulo, Monumento vivo Mercado (1816-1871).
será visto como um pedestal que não idolatra a ninguém e Mercado é visto com o Álbum de paisagens, tipos
tem em sua base escrito: “Em memória dos defensores da humanos e costumes, realizado entre 1841 e 1869, que
terra; em memória dos guias espirituais, em agradecimento faz uma narrativa bastante surrealista sobre a nação
aos presos políticos; em agradecimento aos líderes comu- boliviana em seus primórdios, ironizando o poder político
nitários; para os rios, os lagos, as colinas, as montanhas.” e apontando para a corrupção da elite colonial. É genial.
O vazio do monumento é um gesto que me parece Já a Frente 3 de Fevereiro é vista em uma instala-
simbolizar a mostra, organizada por Diane Lima, Grada ção que conta e contextualiza sua história, marcada
Kilomba, Hélio Menezes e Manuel Borja-Villel, na primei- por denúncias em espaços públicos, como as icôni-
ra vez em que uma equipe com maioria negra, em nada cas faixas Onde estão os negros e Zumbi somos nós
menos que 72 anos de história, é responsável pela Bienal estendidas em estádios do campeonato brasileiro de
de São Paulo. futebol, em 2005. Na instalação, por meio de recur-
Não é uma mostra de trabalhos com efeitos sensa- sos tecnológicos, Dona Maurinete Lima (1942-2018),
cionalistas, aqueles que se costumam chamar de obras uma das criadoras do movimento, surge narrando o
de bienal, mas, como o Monumento vivo, apontam para trabalho. É comovente.
gestos que buscam questionar o cânone universal, sem, Enquanto isso, o coletivo argentino amt apresenta
contudo, colocar outro no lugar. E isso é muito bom. uma seleção de imagens de seu acervo de 12 mil peças,
É como o trilho de trem sem serventia, que está logo que tem por objetivo conectar pessoas, chegando a
na entrada da exposição, parte da instalação Parliament reunir mais de mil mulheres trans, em 2018. O arquivo
of Ghosts (Parlamento de fantasmas) de Ibrahim Mahama, também é acessível de forma online, e na mostra parece
artista de Gana, que lembra das iniciativas dos coloniza- uma nuvem de imagens.
dores na África com toda sua violência estrutural. Ao lado, Essas três iniciativas apontam para como esta Bienal
contudo, ele recria arquibancadas de tijolos vermelhos visa mais do que olhar para o campo da arte, expondo
do salão de seu estúdio, um local para criação e diálogo. iniciativas que repercutem na cultura de forma mais
Seria então essa uma bienal decolonial? Esse não ampla. É o caso também da série de fotos de Rosa
é um conceito reivindicado pela equipe curatorial, mas
não há dúvida que a opção foi elencar uma serie de Performance Monumento vivo, 2023, de Marilyn Boror Bor
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