Page 8 - ARTE!Brasileiros #59
P. 8

TIvEmOS A OPORTUnIdAdE dE ACOmPAnhAR,   descobertas e indagações levam apenas a
                                  nesses três meses, o debate que diversas   uma direção: fazer o homem admitir que ele
                                  mostras internacionais apresentaram para o   não é nada, absolutamente nada. E que ele
                                  mundo da cultura e da arte. Após o momento   deve por fim ao narcisismo em que se apoia
                                  de privação que vivenciamos durante os dois   para imaginar que ele é diferente dos outros
                                  últimos anos, elas refletem, ainda mais, as   animais”. (Black Skin, White Masks, 1952).
                                  polarizações econômicas, sociais e políticas   Esta crítica aparece também, implícita na
                                  globais, em que a arte está tendo um papel   proposta da documenta quinze, cujo diferencial
                            POR PATRICIA ROUSSEAUX, DIRETORA EDITORIAL     CARTA DA EDITORA
                                  notável como transmissor dessas disrupções.  com qualquer outra mostra anterior deixou per-
                                     Em vários de seus artigos nesta edição, o   plexos desde alemães até brasileiros. Dirigida
                                  crítico e membro de nosso conselho editorial,   pelo ruangrupa, coletivo vindo da Indonésia,
                                  Fabio Cypriano, descreve muito bem a comple-  decidiu fazer da mostra uma obra, cujo corpo
                                  mentariedade e a diversidade que aparecem   é formado por infinitos corpos.
                                  nestas edições da Bienal de Veneza, na Itália,   A proposta associa a arte às práticas coti-
                                  da Bienal de Berlim e da documenta quinze,   dianas e aos costumes de 14 outros coletivos
                                  em Kassel, ambas na Alemanha.           de artistas vindos da Nigéria, do Camboja, da
                                     Há, porém, um denominador comum no   América e Indonésia.
                                  intento de denunciar, de uma ou outra forma,   Não se pode entender essa experiência sem
                                  a ferocidade com que o homem vem lidando   perceber que ela não está nas suas partes e
                                  repetidamente com o outro.              sim em um todo, cujo significado é a impor-
                                    A necessidade de apagar o passado - segre-  tância de aprender sobre diferenças e como
                                  gações raciais e religiosas, invasões territoriais,   conviver com elas.
                                  massacres - ou confundir o presente usando-se   O foco está em como a arte pode ser um
                                  dos avanços científicos e tecnológicos - fake-   caminho para partilhar conhecimentos, cuidar
                                  news, vigilâncias e centralização de dados   do outro, mostrar como grupos distintos pen-
                                  digitais, milícias. Todas são, enfim, manobras   sam a defesa do meio ambiente, organizam-se
                                  a serviço de não refletir sobre esse passado   para um futuro sustentável e como a arte pode
                                  colonial tão violento, marcado pelo abuso de   ajudar como catalisador.
                                  poder e pela necessidade de uma perversa   A rigor, já nos anos 1980, na sétima edição
                                  opressão do outro.                      da Documenta, apesar de não vir de um coletivo,
                                     Frente a isto, Kader Attia, artista, filóso-  uma proposta parecida se transformou num
                                  fo e diretor criativo responsável pela Bienal   dos paradigmas da arte contemporânea, quan-
                                  de Berlim, conclama a militar, como forma   do o artista Joseph Beuys apresentou um dos
                                  de reparação, pela retomada de atenção por   maiores projetos de arte pública e ecológica,
                                  parte dos indivíduos, para tudo aquilo que   7000 Carvalhos, em que, defendendo a pro-
                                  nos rodeia. Certamente um dos pensadores   posta de escultura social, ele plantava sete mil
                                  mais agudos da problemática internacional,   árvores numa cidade de terra arrasada. Assim,
                                  ele foi entrevistado pela arte!brasileiros, na   ele trazia à tona um dos maiores bombardeios
                                  capital alemã.                          ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial,
                                     Para ele, perdemos a capacidade da “aten-  na cidade que deu início à documenta em 1955.
                                  ção”, de parar para ver, parar para entender,   Hoje, 40 anos depois, quem entra em Kassel,
                                  para nos emocionar. Consumimos imagens   vindo da principal estação de trem, não tem
                                  e informações soltas, meros objetos. Assim   como não se emocionar ao ver uma frondosa  FOTOS: ALEX FLEMMING | PATRICIA ROUSSEAUX | DETALHE ANDRÉ VILARON
                                  sua potente mostra se propõe a criar liga-  alameda florida na primavera, crescendo ao lado
                                  ções sutis, com espaços intersticiais, em que,   de rochas, depositadas ao lado de cada árvore.
                                  depois de imagens aterradoras, espera-nos um   Há luz no fim do túnel, desde que resgate-
                                  texto do psiquiatra e escritor anticolonialista   mos a pulsão de vida. E, como diria Deleuze,
                                  Frantz Fanon, conclamando pelo humano: “A   a alegria. A arte tem que sair do circuito que
                                  única possibilidade de recuperar o equilíbrio é   a transforma em mercadoria, tem que inco-
                                  enfrentar todo o problema, já que todas estas   modar e fascinar.









                                                                                                                18/07/2022   12:47
         Editorial_Indice_59.indd   8                                                                           18/07/2022   12:47
         Editorial_Indice_59.indd   8
   3   4   5   6   7   8   9   10   11   12   13