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“A GENTE COMBINAMOS
DE NÃO MORRER”, 2019
POR PATRICIA ROUSSEAUX, DIRETORA EDITORIAL
O TÍTULO DO NOSSO EDITORIAL vem emprestado A arte costuma cumprir seu papel, uma espécie de
do nome da obra de Jota Mombaça, cujos detalhes espelho e de alerta permanente sobre tudo que nos
publicamos na capa desta edição. O trabalho foi rea- rodeia. Cildo Meireles, um dos maiores artistas contem-
lizado em colaboração com Musa Michelle Mattiuzzi, porâneos brasileiros já disse: “Não se faz um trabalho
Cíntia Guedes, Ana Giza, Adrielle Rezende, Juão Nin político em arte. Ele se torna político”.
e Paulet Lindacelva, e forma parte de uma sequência Em contrapartida à institucionalização da barbárie, uma
de performances na Casa do Povo em São Paulo. A espécie de ode à morte que torna o dia obscuro, nós
ação consistiu dentre outras coisas em manufaturar aderimos à vida e à arte, e a usamos como símbolo de
facas com barbantes, galhos e vidros hoje expostos no potência e da força com que a pulsão de vida e de morte
SESC 24 de Maio na mostra À Nordeste, comentada aparece nela... “Trata-se de uma morte-vida. Sempre
nesta edição pela jornalista Jamyle Rkian e criticada que um artista proclama a morte da arte, novo salto é
pela historiadora e curadora Aracy Amaral. dado, e a arte acumula forças para uma nova etapa.”
É notória a presença ou a alusão à violência em varias Dizia Frederico de Morais em Contra a arte afluente. O
das entrevistas ou exposições que acompanhamos corpo é o motor da obra, 1970.
nos últimos tempos. Nas obras é latente a iminência
de perigo, a sensação de desamparo, a necessidade No mês de maio o Instituto Tomie Ohtake, por meio
de encontrar respostas e resistir, encontrar formas de de seu núcleo de Cultura e Participação em parceria
cura para o sujeito e o ambiente. Estamos perpassados com o filósofo, ensaísta e tradutor Peter Pál Pelbart
por um momento de enorme violência. A violência de convidou um dos mais atuantes pensadores da atuali-
uma sociedade que agride o não igual; de cidadãos e dade, o filósofo francês e professor da Sorbonne (Paris
políticos que defendem colocar armas a disposição I) David Lapoujade. Ao longo de quase duas horas ele
de uma população cujas dificuldades e intolerância só discorreu sobre um texto intitulado “A Força da arte”
aumentam. A violência de ter que mendigar educação, apresentando ideias de Nietzsche e de Deleuze que
trabalho, saúde e assistir a cada vez maior precariza- refletem sobre o quanto a arte nos proporciona uma
ção da qualidade de vida. A violência da pós-verdade “promessa”, “uma crença neste mundo aqui”, não uma
e da pós-mentira. crença teológica, já que não deveríamos acreditar em
A violência de não se fazer nada para impedir a vio- nada quando estamos com a obra e, ao finalizar disse:
lência. A artista paraense Berna Reale, no seu vídeo “Ou seja, a força da arte - quando ela a tem - é poder
Americano, 2013 e a artista Cinthia Marcelle, no Chão se auto justificar (e nos justificar) melhor que qualquer
de Caça, 2017 apresentaram no Pavilhão Brasileiro nas outra forma de realidade, poder adquirir, exclusivamente
Bienais de Veneza de 2015 e 2017, respectivamente, por sua força, uma razão de existir e de nos fazer existir.
obras de denúncia às condições de indigência e de Se tivesse de resumir numa palavra (para concluir) em
superpopulação carcerária no país. Elas antecipavam, que consiste a força da arte, diria, portanto, que essa
com suas imagens, diversas rebeliões e a carnificina palavra é: justiça.
que implodiu nestes dias nos cárceres de Manaus, *Lapoujade tem seus livros publicados no Brasil pela n-1 edições: Potências do
deixando dezenas de mortos. Quase numa alegoria tempo; Deleuze, os movimentos aberrantes; A construção da experiência e As
ao livro Crônica de uma morte anunciada do escritor existências mínimas. No prelo Ficções do pragmatismo, sobre os irmãos James –
colombiano Gabriel Garcia Marquez. o filósofo e o romancista, “A força da arte”.
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