Page 88 - ARTE!Brasileiros #45
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CRÍTICA AVAF





            A VERTIGINOSA AMOROSA FESTA
             Duas mostras em São Paulo apresentam panorama da obra do
             assumed vivid astro focus (avaf), fundado por Eli Sudbrack em 2001


             POR FABIO CYPRIANO



             UM CONJUNTO DE TAPETES PENDURADOS no teto se movi-
             mentam, girando em ritmos distintos, criando uma sensação
             de dinamismo, quando mostras em galerias costumam ter uma
             energia quase sepulcral, especialmente pelo pouco público que
             as frequenta.
             Em Aquele Vestígio Assim... Feérico, que esteve em cartaz até 27
             de outubro na Casa Triângulo, o assumed vivid astro focus (avaf)
             fez sua própria festa, mesmo quando não havia público. Em uma
             fase obscura do país, de clima de guerra nas redes sociais, a
             experiência de movimento da cor foi como um oasis.
             O projeto é um desdobramento da exposição abstracto viajero   AQUELE VESTÍGIO ASSIM... FEÉRICO, NA CASA TRIÂNGULO
             andino fetichizados, realizada, em 2017, no Museu Mario Testino
             (MATE), em Lima, no Peru, quando o avaf produziu uma série   também se transforma em um coletivo, dependendo dos diferen-
             de quatro tapeçarias inspiradas na cultura Wari, que surgiu   tes projetos em que estão envolvidos.
             na região andina por volta de 680 dC, criadas em conjunto   O próprio nome avaf é um acrônimo que muda conforme o local
             com  Elvia Paucar Orihuela, uma artesã de San Pedro de Cajas.  e o momento onde alguma obra é produzida, como o recente
             Em São Paulo, foram seis tapetes, realizados também com   America Votes Against Fascism. Obviamente, trata-se de uma
             Orihuela, em padrões semelhantes às 17 pinturas expostas na   atitude política em acreditar na necessidade do esforço coletivo,
             mesma sala, número calculado para cobrir todas as paredes,   que pressupõe elementos tão em falta nesses tempos, como res-
             criando um ambiente imersivo. Para chegar a esses padrões, Eli   peito, liberdade, coragem e generosidade.
             Sudbrack, que criou o avaf em 2001, deu uma espécie de zoom   Uma obra composta por tantas mãos, como essa instalação na
             em antigos trabalhos, como se os observasse com uma lente   Triângulo, só é possível quando há um empenho genuíno por
             de aumento em busca de seus componentes genéticos. Cria-se,   novas práticas, que partem de atitudes libertárias. Para o avaf
             assim, uma imersão na obra do coletivo, que se transforma em   esse compromisso é mantido em clima de festa, talvez por isso
             realidade e ficção, já que mesmo partindo de imagens existen-  a cor seja tão importante em sua trajetória e esteja sempre
             tes, chega a formatos totalmente distintos do original.  vibrando de maneira tão intensa.
             Esse procedimento um tanto caleidoscópico, contudo, repete-  Novas atitudes _e o mistério em definir quem e o que é avaf
             -se com o programa avalanches volcanoes asteroids floods,   merece ser visto como parte dessa estratégia _ precisam ser
             que tem por base um arquivo de vídeos de Sudbrack, onde são   construídas com uma força criativa potente e é justamente isso
             exibidos 66 pequenos trechos selecionados de registros dos   que se observa nos tapetes, nas pinturas, nos vídeos e na insta-
             últimos 15 anos. Há um pouco de tudo lá, relacionado ao artista,   lação. Há uma interdependência entre todos esses trabalhos, é
             é claro. De trechos de perfomances, como a realizada em 2008,   bom lembrar, que também merece ser visto como parte de uma
             no encerramento catártico da Bienal do Vazio (28ª. Bienal de   estratégia política, ao buscar em pequenos detalhes de antigas
             São Paulo), a cenas privadas, do cºnvívio afetuoso com amigos.   obras novas imagens, em considerar histórias aparentemente
             É como se fosse possível, por cerca de duas horas, entrar não   sem relevância como essenciais, em reunir pessoas e obras de
             só nas memórias do avaf, como no círculo íntimo que ajuda a   forma inesperada.
             construir sua obra.                              Além da mostra na Casa Triângulo, avaf ainda pode ser visto na
             Finalmente, a mostra é composta ainda por um quarto trabalho,   reTRANSpectiva #2, outra ironia política ao evitar o termo usual
             na verdade uma instalação que reúne pinturas de assistentes,   retrospectiva para se aproximar de novas construções identi-
             ex-alunos e amigos de Sudbrack (Camila Rocha, Gilson Rodri-  tárias com o prefixo trans. Realizada na Viva Projects até 21 de
             gues, Thiago Barbalho, Ricardo Alvez e Nadja Abt) em uma   dezembro (rua Cristiano Viana 201, São Paulo), a mostra reúne
             estrutura criada por ele.                        um conjunto de 27 trabalhos efêmeros, muitos deles produtos
             Ali ganha força a noção de coletivo, já que não há identificação   utilitários, realizados em diversas parcerias, entre elas com mar-
             de autoria no conjunto. Desde seu início, em 2001, avaf tem sido   cas como Amapô ou comme des garçons.
             um estranho no ninho no universo das artes plásticas, já que   Festa costuma ser um espaço de liberdade, onde é preciso estar
             evitou identificar ou singularizar seus membros em uma cena   livre de condições pré-estabelecidas e em busca de uma alegria
             onde ainda conta muito a ideia mítica de autor, para deleite dos   libertadora. A vertigem nas obras e atitudes do AVAF nada mais
             colecionadores. Ocasionalmente avaf se transforma em uma   é que um desejo por novas utopias, da festa como um elemento
             dupla com o artista parisiense Christophe Hamaide-Pierson, que   dionisíaco unificador, onde nem sempre essas utopias são
             também desenvolve projetos avaf independentemente. E o avaf   esperadas: seja na galeria, seja em uma marca comercial.








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