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RELATOS SELVAGENS

             POR PATRICIA ROUSSEAUX, DIRETORA EDITORIAL






                                UM ANO DE ATAQUES AO
                                CAMINHO CIVILIZATÓRIO
                                NOS PAÍSES “CIVILIZADOS”

             Tem um livro pequeno, do filósofo e pensador brasileiro Vladimir Safatle,
             Só mais um esforço, da editora Três Estrelas, que deve ser lido se tivermos
             intenção de compreender o mar de incertezas e retrocessos em que esta-
             mos imersos nos últimos anos e que se aceleraram, para surpresa dos que
             ainda não tinham sido avisados, no último ano.
             A ARTE não por acaso foi alvo ou mediadora, em diferentes momentos, de
             inúmeros conflitos onde ataques, seja as diferenças de gênero, classe ou
             religião, vem se intensificando em escala global.
             Nos iludimos. Achávamos que, em tanto e enquanto conseguíssemos um
             certo equilíbrio econômico e social (até a crises que começou em 2008),
             aqueles que detinham um tipo de poder econômico e ideológico compreen-
             deriam, como o fez a burguesia liberal inglesa e francesa, do século XIX, a
             importância de dividir melhor o bolo. De defender a liberdade, a igualdade
             e a fraternidade. Que poderíamos alcançar um modelo de conciliação da
             democracia liberal.
             Pois bem, nem isso aconteceu.
             Não apenas não conseguimos aprofundar o caminho do equilíbrio social, do
             respeito pelo outro, como voltamos atrás em ritmo acelerado. Que o digam
             as palavras do milionário Warren Buffet: “Quem disse que não há luta de
             classes? É claro que há uma, e estamos vencendo”.
             É verdade que, quem não perdeu poder aquisitivo e participação no capi-
             tal social, continua comprando arte, mas o verdadeiro apreciador da arte
             também está perdendo.
             A arte perde quando se torna objeto ou se submete a ser, e não é de hoje
             que ocorre, “vampirizada”, “pasteurizada”, para dar conta de valores deter-
             minados. E anda, exatamente na linha contrária do seu valor por excelência:
             o expressar a liberdade de cada sujeito e de quem se encontra com ela.
             Só no primeiro trimestre Trump nos EUA, com sua política anti-imigração,
             foi condenado por vários movimentos e instituições artísticas que desde
             sempre defenderam a inclusão de toda e qualquer nacionalidade nos
             elencos. Doria, o prefeito escolhido para gerenciar a cidade de São Paulo,
             no segundo dia de mandato saiu “limpando” paredes (não esgotos a céu
             aberto dos que a cidade tem vários) cerceando o trabalho de grafiteiros,
             uma expressão existente já desde os anos 70 e que foi crescendo e se
             desdobrando em diferentes linhas de intervenções nas cidades, e até uma
             tendência o Street Art.
             No segundo semestre grupos de católicos, evangélicos, neofascistas e não
             tão fascistas saíram batendo em funcionários que defendiam exposições,
             como no caso do MAM-SP, com a performance de um corpo nu, ameaçando
             juridicamente ou nas redes, e conseguindo que as próprias instituições se
             autocensurassem, como foi o caso do Santander que fechou a mostra “Que-
             ermuseu – Cartografias da Diferença na Arte”, em Porto Alegre, e do Masp,
             em São Paulo, que colocou restrições etárias para a visitação da exposição  IMAGEM DE CAPA DO LIVRO NUDEZ, DE GIORGIO AGAMBEN NA SUA EDIÇÃO ESPANHOLA
             “Histórias da Sexualidade” por conter supostas imagens provocadoras.
             ARTE!Brasileiros criou espaços e produziu durante este ano simpósios e
             inúmeros artigos sobre o lugar da arte como resistência e como lugar de
             fala, em defesa da sua própria sobrevivência.
             É necessário defender a arte e a cultura como potências geradoras do que
             melhor tem o indivíduo, sua capacidade de expressar seus conflitos, seja
             através da beleza de um corpo nu, da cor ou do sinistro da morte.
             É sobre isso e muito mais que você vai ler nas páginas dessa edição.






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