Page 12 - ARTE!Brasileiros #41
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RELATOS SELVAGENS
POR PATRICIA ROUSSEAUX, DIRETORA EDITORIAL
UM ANO DE ATAQUES AO
CAMINHO CIVILIZATÓRIO
NOS PAÍSES “CIVILIZADOS”
Tem um livro pequeno, do filósofo e pensador brasileiro Vladimir Safatle,
Só mais um esforço, da editora Três Estrelas, que deve ser lido se tivermos
intenção de compreender o mar de incertezas e retrocessos em que esta-
mos imersos nos últimos anos e que se aceleraram, para surpresa dos que
ainda não tinham sido avisados, no último ano.
A ARTE não por acaso foi alvo ou mediadora, em diferentes momentos, de
inúmeros conflitos onde ataques, seja as diferenças de gênero, classe ou
religião, vem se intensificando em escala global.
Nos iludimos. Achávamos que, em tanto e enquanto conseguíssemos um
certo equilíbrio econômico e social (até a crises que começou em 2008),
aqueles que detinham um tipo de poder econômico e ideológico compreen-
deriam, como o fez a burguesia liberal inglesa e francesa, do século XIX, a
importância de dividir melhor o bolo. De defender a liberdade, a igualdade
e a fraternidade. Que poderíamos alcançar um modelo de conciliação da
democracia liberal.
Pois bem, nem isso aconteceu.
Não apenas não conseguimos aprofundar o caminho do equilíbrio social, do
respeito pelo outro, como voltamos atrás em ritmo acelerado. Que o digam
as palavras do milionário Warren Buffet: “Quem disse que não há luta de
classes? É claro que há uma, e estamos vencendo”.
É verdade que, quem não perdeu poder aquisitivo e participação no capi-
tal social, continua comprando arte, mas o verdadeiro apreciador da arte
também está perdendo.
A arte perde quando se torna objeto ou se submete a ser, e não é de hoje
que ocorre, “vampirizada”, “pasteurizada”, para dar conta de valores deter-
minados. E anda, exatamente na linha contrária do seu valor por excelência:
o expressar a liberdade de cada sujeito e de quem se encontra com ela.
Só no primeiro trimestre Trump nos EUA, com sua política anti-imigração,
foi condenado por vários movimentos e instituições artísticas que desde
sempre defenderam a inclusão de toda e qualquer nacionalidade nos
elencos. Doria, o prefeito escolhido para gerenciar a cidade de São Paulo,
no segundo dia de mandato saiu “limpando” paredes (não esgotos a céu
aberto dos que a cidade tem vários) cerceando o trabalho de grafiteiros,
uma expressão existente já desde os anos 70 e que foi crescendo e se
desdobrando em diferentes linhas de intervenções nas cidades, e até uma
tendência o Street Art.
No segundo semestre grupos de católicos, evangélicos, neofascistas e não
tão fascistas saíram batendo em funcionários que defendiam exposições,
como no caso do MAM-SP, com a performance de um corpo nu, ameaçando
juridicamente ou nas redes, e conseguindo que as próprias instituições se
autocensurassem, como foi o caso do Santander que fechou a mostra “Que-
ermuseu – Cartografias da Diferença na Arte”, em Porto Alegre, e do Masp,
em São Paulo, que colocou restrições etárias para a visitação da exposição IMAGEM DE CAPA DO LIVRO NUDEZ, DE GIORGIO AGAMBEN NA SUA EDIÇÃO ESPANHOLA
“Histórias da Sexualidade” por conter supostas imagens provocadoras.
ARTE!Brasileiros criou espaços e produziu durante este ano simpósios e
inúmeros artigos sobre o lugar da arte como resistência e como lugar de
fala, em defesa da sua própria sobrevivência.
É necessário defender a arte e a cultura como potências geradoras do que
melhor tem o indivíduo, sua capacidade de expressar seus conflitos, seja
através da beleza de um corpo nu, da cor ou do sinistro da morte.
É sobre isso e muito mais que você vai ler nas páginas dessa edição.
Book_ARTE41.indb 12 11/29/2017 4:50:12 AM