Page 16 - ARTE!Brasileiros #38
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CONSTANTE E PERMANENTE
POR PATRICIA ROUSSEAUX, DIRETORA EDITORIAL, E GUSTAVO FIORATTI, EDITOR
O TÍTULO DESSA EDIÇÃO, “Arte como Resistência”, corre o risco de ser
lido como pleonasmo. Fazer arte é resistir em toda e qualquer situação.
A arte resiste porque por meio dela podemos escapar ou nos confrontar. Ela
sai inevitavelmente da normatividade, na fantasia ou no delírio do artista que
envolve o olhar do outro, aquele que observa, interpreta e se vê interpretado.
De um jeito ou de outro, a criação de um artista acaba sempre questio-
nando o que sabemos. Convictos de algo, deparamo-nos com ela. Em uma
obra, pode estar em jogo desde a resistência intrínseca da forma, esse
intrincado conjunto de forças que nos ata, até o entorno que a sustenta,
o contexto em que ela nasce e sua própria razão de existir.
Esta edição acabou encontrando manifestações de artistas nacionais e
internacionais, de instituições, curadores, cidadãos, pensadores e cole-
cionadores cujas iniciativas expressaram resistência em um momento de
cerceamento de liberdades, das conquistas sociais ou do pensamento.
Está acontecendo neste exato instante nos EUA. De maneira inédita, o
mundo viu, nos primeiros meses de 2017, a reação do circuito das artes
contra ações arbitrárias do presidente Donald Trump. O texto de Mariana
Tessitore nos descreve o momento preciso em que trabalhos e manifes-
tações de artistas e instituições americanas convergiram para expressar
a recusa contra as medidas xenofóbicas e machistas do republicano.
O britânico-indiano Anish Kapoor evocou o trabalho do alemão Joseph
Beuys (1921-1986) em seu manifesto. Beuys não está sendo relembrado
à toa. Ele defendeu o contato direto com o espectador e a participação
ativa do artista em questões políticas determinantes.
Um grande museu americano, o MoMa, também registrou seu protesto,
colocando em destaque obras de artistas do Iraque, do Irã e outros países
de maioria islâmica. Também houve posicionamento de Christo, Barbara FOTOGRAFIA DIGITALIZADA, 20 X 16 CM, EDIÇÃO: 1/100 + 10PA
Kruger, Richard Serra e Richard Prince.
Essas são situações de atuação mais imediatas encampadas pela arte
na política. Mas a resistência assume outras formas quando compreende
a vertiginosa discussão sobre o limite entre loucura e razão. Lugares
do Delírio, no Museu de Arte do Rio, articula a produção de pacientes
psiquiátricos com a de artistas “sãos”, consagrados pelo mercado. Essa
distinção fica borrada quando o campo de atuação comum é a arte. A
frequente imagem de barcos na simbologia sobre a loucura nos repo-
siciona em nossa relação inconstante com o mundo, como se loucos
fôssemos todos, à deriva e sujeitos aos diversos deslocamentos sobre
a noção de bom senso. DETALHE DA OBRA OLHO CARNÍVORO, DE ADRIANA VAREJÃO, 2013/2016,
Claro que o grafite paulistano, no momento seguinte ao conflito com
o poder público, não poderia ficar de fora deste número. Só que nossa
proposta não foi passar o caso a limpo. Preferimos um foco à margem:
percorrer a periferia e o centro para entender como grafiteiros ocupam
os diversos territórios, políticos e geográficos da cidade.
Boa leitura!
Book_ARTE_38_POR.indb 16 3/3/17 9:47 PM