Page 14 - artebrasileiros-64
P. 14

35ª BIENAL DE SÃO PAULO






            com 121 artistas e mais de mil obras ocupando   por esse princípio agregador, sendo assinada con-
            uma área de 30 mil metros quadrados, a 35ª Bienal de   juntamente por Diane Lima, Grada Kilomba e Manuel
            São Paulo concentrará ao longo dos próximos meses   Borja-Villel, num cuidadoso equilíbrio entre gêneros,
            as atenções do circuito das artes no país. Esse poder  origens e formações.
            imantador se dá pela atração de milhares de visitantes ao   Alguns elementos parecem pontuar toda a mostra,
            Pavilhão, mas sobretudo pela enorme capilaridade desse   revelando afinidades entre os mais diferentes autores.
            processo, capaz de transformar as questões centrais   A forma circular ou serpenteada, que remete à ideia de
            discutidas na mostra em elementos centrais do debate,  tempo espiralar e à critica ao pensamento modernista
            da produção e da disseminação do pensamento sobre   ocidental e ao conceito linear de progresso – derivado
            arte. Sob o tema Coreografias do impossível, a mostra   do pensamento de Leda Maria Martins –, pontua toda a
            agrupa uma quantidade recorde de artistas não bran- mostra. Compreender a história como campo aberto de
            cos, cujas poéticas desafiam uma noção eurocêntrica   possibilidades é uma estratégia comum dos convidados
            e linear da história, resgatam tradições, jogam luz sobre   da 35ª Bienal e seu conceito de tempo espiralar. São
            questões e comunidades invizibilizadas. Predominam   muitos os trabalhos que ilustram essa relação, como
            com grande intensidade as estratégias comunitárias,  Uma voz para Erauso. Epílogo para um tempo trans, de
            a combinação de diferentes linguagens e técnicas e   Helena Cabello e Ana Carceller. Ou a potente instalação
            uma permanente sedução dos sentidos.            de Ayrson Heráclito e Tiganá Santana, que conduz o
               Quem abre a mostra é Ibrahim Mahama, artista de   visitante numa viagem imersiva e sensorial pela mata.
            Gana que já foi destaque na Bienal de Veneza, com  A terra, as ânforas, vasos e alguidares são também
            uma amplíssima instalação composta por elementos   materiais constantes, indícios de culturas milenares,
            como um trilho de trem, uma série de vasos de cerâmica   de pertencimento a tradições massacradas, mas que
            que pontuam o espaço e uma grande arquibancada de   permanecem de pé, a exemplo das obras de Castiel
            tijolos, que deve receber uma série de ações ligadas   Vitorino Brasileiro, Daniel Lie, M’Barek Bouhchichi,
            ao programa público do evento, que conta com uma   entre outros.
            extensa programação de performances, debates e     O tom não é de urgência, apesar de já termos pas-
            conversas. (disponível em 35.bienal.org.br/agenda).  sado da hora de superar as questões políticas, sociais,
               A sensação inicial de amplitude se prolonga ao longo   ambientais ali abordadas. Não impera tampouco a
            de praticamente toda a exposição, graças à expografia   resignação, mas uma certa sabedoria em entender os
            projetada pelo escritório Vão, que propôs o fechamento   múltiplos tempos entrecruzados. O tempo do horror
            parcial das aberturas que conectam a lateral do segundo   da escravidão e o da sabedoria dos habitantes da flo-
            andar ao vão central, criando espaços mais livres para   resta, o tempo do drama dos imigrantes abandonados
            os vários núcleos expositivos e possibilitando uma   à própria sorte e aquele das vítimas da lgbtfobia, da
            quebra da ideia já consolidada de que o terceiro andar  brutalidade colonial e do sofrimento psíquico. São
            funcionaria quase que naturalmente como um espaço   trabalhos que, na maioria das vezes, oscilam entre
            mais museológico dentro da Bienal.             “esperança e desespero”, como sintetiza Carles Guerra
               A transdisciplinaridade, em termos de conceito e   no texto de apresentação da artista filipina Geraldine
            linguagem, é uma das marcas dessa edição. O herme- Javier. Ou que possuem, na definição de Diane Lima,
            tismo prenunciado nos primeiros textos curatoriais deu  “uma beleza terrível”.
            lugar a um conjunto leve e fluido, em que a diversidade   A ideia de coreografia, presente no título da mos-
            poética e o espírito coletivista parecem predominar.  tra, ecoa por toda a mostra. São muitos os trabalhos
            Chamam atenção a recorrência de trabalhos realizados   que parecem flutuar no espaço, expandir-se de forma
            em parceria e o grande número de coletivos, artísticos e   invisível, como Pulmão da mina: o ar também alaga,
            políticos. Movimentos como o coletivo Ayllu, a cozinha   de Luana Vitra. Obras como a instalação de Niño de   FOTO: LEVI FANAN / FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO
            da Ocupação 9 de julho (que assume o restaurante), a   Elche fazem literalmente o público dançar; Pauline
            Frente 3 de Fevereiro, o Giap (Grupo de Investigación   Boudry e Renate Lorenz investigam o movimento do
            em arte y política) ou ainda o Zumví Arquivo Afro, apenas   corpo e fundem de forma desconcertante o espaço do
            para citar alguns, têm presença marcante na mostra.  vídeo e o espaço físico da exposição; isso sem falar nas
            Convém lembrar que a própria curadoria responde   referências históricas como Katherine Dunham. Mas

            14
   9   10   11   12   13   14   15   16   17   18   19