Page 8 - ARTE!Brasileiros #57
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Como se não bastasse saber Da nossa fragiliDaDe, é fato que estão vindo à tona, como
nunca, os embates que cedo ou tarde apareceriam por conta da desigualdade brutal que foi
construída ao longo dos séculos 19, 20 e 21. O processo colonizador segue excludente em
novas roupagens e, pior, faz retroceder muitas conquistas duramente alcançadas após a
Constituição de 1988.
Na arte, isso apareceu no grito dos artistas indígenas e negros que, crescendo na sua
representatividade, se encontram com pressões inerentes às barreiras culturais próprias da
por patriCia rousseaux, dirEtora Editorial CARTA DA EDITORA
dicotomia que existe quando se trata de fazer arte, compartilhar arte e comercializar arte. A
voracidade perversa do circuito coloca tudo em questão: não basta escrever, tem que vender;
não basta pintar, tem que vender; e, para vender, nem sempre a melhor obra é a que dá para
pendurar na parede.
É só observar vários dos elencos levados por galerias para a Art Basel Miami, ostentando
a cor para garantir uma espécie de condomínio da alienação.
Porém, como vivemos tempos agudíssimos, tudo isso está em questão e até os grandes
colecionadores se rendem à ideia de que não dá para disfarçar. Com isso, crescem a presença
das mulheres, indígenas e negros nas coleções. São conquistas que vieram para ficar, apesar
das reclamações do patriarcado privilegiado.
No meio das tréguas que o vírus e suas variantes nos dão, junto a uma maior vacinação,
houve oportunidade de sair novamente, entrar em contato com obras, visitar novas cenografias
e até viajar e dar uma olhada na cena internacional.
Assim, acompanhamos artistas brasileiros que transitam na nova cena internacional, que
estão experimentando novos projetos no interior do Brasil e que formam parte da razão pela
qual sempre foi válido investir na cultura brasileira, singular e prolífica.
Até a coleção de François Pinault, onipresente em Veneza e uma das maiores do mundo,
ganhou espaço em Paris com a exposição Overture, na reformada Bourse de Commerce (Bolsa
de Comércio), incluindo obras do brasileiro Antonio Obá - nascido em Ceilândia, cidade satélite
de Brasília. Julio Villani, com sua enorme trajetória, expõe em Paris e Nova York; No Martins
está na maior galeria de Chicago, Mariane Ibrahim, agora com sede também em Paris; Maxwell
Alexandre, no Palais de Tokyo e o gravador Santidio Pereira expõe em Shangai.
Nesse sentido, é dramático ver a contradição que existe entre a realidade e a miséria
ideológica dos políticos que hoje nos governam, que iniciaram uma cruzada de precarização
das instituições e empresas dedicadas à cultura e a difusão da cultura. Ouvimos impávidos
o secretário de cultura Mario Frias – vinculado atualmente ao Ministério do Turismo, que se
“responsabiliza” pela cultura, suas estratégias e seu orçamento no Brasil –, dizer que lutará
com todas suas forças para que não avance a recém-aprovada Lei Paulo Gustavo, que prevê
uma verba de quase R$ 4 bilhões para o setor cultural em Estados e municípios.
Em longa entrevista nesta edição, Danilo Santos de Miranda, que preside o Sesc-sp desde
1984 e é responsável por inúmeras atividades permanentes de altíssima qualidade em mais de
40 unidades no Estado, comenta:
“É uma sequência de pioras progressivas, infelizmente. A lei Rouanet é uma lei invejada
por outros países do mundo (...) Havia problemas sobretudo quanto à questão geográfica e
quanto à uma mistura entre o publicitário e o cultural mas, ainda assim, era uma lei que tinha
ampla participação de empresários, artistas, promotores culturais, criadores e gestores, com FOTOS: CORTESIA MATILDE MARIN | HÉLIO CAMPOS MELLO
uma comissão representativa da sociedade. Quando você corta isso e torna tudo decidido
unicamente por uma pessoa, seja quem for, você está andando para trás” (leia na página 42)
É necessário falar, mesmo que alguns se sintam incomodados, que a arte, como parte
da cultura e da educação geral de uma sociedade, precisa pular fora dos muros dos grupos
ideológicos e financeiros para poder ser grande.