Page 10 - ARTE!Brasileiros #52
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DesDe março De 2020, ao mesmo tempo que nos isolávamos como forma de
                                 segurança perante uma epidemia sem precedentes na nossa geração, acompa-
                                 nhávamos o fechamento dos nossos espaços cotidianos de encontro: padarias,
                                 bares, restaurantes, cinemas, teatros, museus, galerias, livrarias, cabeleireiros.
                                 Assim, cada um de nós organizava seu fazer buscando soluções para uma realidade
                                 completamente inesperada.
                                    Ao mesmo tempo, no mundo e no Brasil especificamente, acirravam-se crimes
                         por patriCia rousseaux, diretora editorial     CARTA DA EDITORA
                                 de omissão e ataques à vida: dos rios, dos manguezais, das florestas, dos animais,
                                 das mulheres, dos negros, dos imigrantes, das instituições culturais, enfim, de tudo
                                 aquilo que não representasse uma imediata retribuição socioeconômica ou que
                                 gerasse algum tipo de lucro imediato. Soluções para a saúde e a ciência começaram
                                 a ser questionadas em detrimento de supostos ganhos fiscais e financeiros.
                                    Tivemos a sensação de que abriram-se as comportas de uma represa cheia de
                                 atraso e ódio e, quase como num filme de ficção, saíram em debandada monstros
                                 de todas as espécies capazes de atualizar as atrocidades que já formaram parte da
                                 nossa história colonial.
                                    A capa desta edição, um detalhe da obra Trópicos malditos, gozosos e devotos
                                 7, 2020, da artista Rivane Neuenschwander, é  quase que uma síntese do que o
                                 inconsciente e a arte podem vir a expressar, contra o medo e a violência.
                                    Quando iniciamos as discussões sobre a realização do nosso vi Seminário
                                 Internacional em maio deste ano, junto aos diretores do Goethe-Institut, nossos
                                 parceiros no projeto, a urgência da defesa da natureza e do homem ficaram pre-
                                 mentes. Sentimos a necessidade da arte fazer parte da reflexão sobre a noção do
                                 mundo que queremos habitar.
                                    Nesse sentido conseguimos viabilizar um encontro virtual, onde o elenco de
                                 convidados - artistas, filósofos, cientistas, líderes ambientais e curadores -, que vêm
                                 trabalhando neste cenário complexo já há muito tempo, tivesse a oportunidade de
                                 falar de suas atividades em seus diferentes países e lugares de atuação.
                                    “Quando rompemos os fluxos da Terra, a gente a prejudica, porque ela é um
                                 todo, tem uma consciência própria e não podemos recortá-la como um mosaico,
                                 como estamos fazendo. Há centenas de anos nossos pajés alertam para cuidar da
                                 natureza, nós somos a natureza”, disse com sabedoria a jovem ativista e artista
                                 indígena Naiara Tukano.
                                    Assim, fizemos do encontro um lugar desde onde conseguimos nos sentir menos
                                 sós, como um método de defesa. A palavra e a arte tem sido armas fundamentais
                                 para reflexão, conforto e ataque.
                                    Andrea Giunta, pesquisadora e curadora da Bienal do Mercosul 12, que preci-
                                 sou mergulhar na adaptação do evento junto aos curadores do projeto, disse no
                                 Seminário: “A arte tem a capacidade de ser um arquivo, um arquivo de experiências
                                 que foram criadas em diferentes momentos. E com este arquivo podemos fazer as
                                 perguntas do presente.”                                                          FOTOS: CORTESIA DA ARTISTA E TANYA BONAKDAR GALLERY | JOSÉ RUFINO | ARQUIVO PESSOAL
                                    Esta edição está povoada de matérias que mostram ideias e produções de
                                 artistas e curadores que trabalham em diálogo com seu entorno; obras que refle-
                                 tem uma atitude de imersão em seu tempo; obras que expressam a necessidade
                                 de abandonar o sujeito autocentrado, de pensar a importância de aprender com o
                                 outro, de apreender do outro.
                                    ps: Ficamos muito felizes em saber, no encerramento desta edição que arte!bra-
                                 sileiros tinha sido reconhecida pela aBCa, com o Prêmio Antônio Bento 2019, como
                                 melhor veículo de difusão na mídia de arte e cultura. Seguiremos empenhados na
                                 qualidade e coerência do nosso trabalho.
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