Page 18 - ARTE!Brasileiros #41
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BIENAIS ENTREVISTA






             Em momentos duros assim, talvez a tendência seja ser mais   Usar Instagram no processo curatorial é interessante, fale mais
             documental, de denúncia do que ocorre. Mas essa bienal é o   sobre esse processo...
             oposto disso, ela é delicada e ambígua, o que talvez sejam   Foram apenas dois artistas escolhidos pelo Instagram,
             formas possíveis de resistência.                mas obviamente usamos a internet para mais informa-
             Em momentos assim, a primeira coisa é ouvir. Entre-  ções, sites de galerias, site de instituições. Mas também
             tanto, a oposição não é muito alta, o que se reflete   usamos o formato de pesquisa tradicional, fomos para
             nos trabalhos dos artistas turcos, que são mais   a América do Sul, do Norte, África do Sul - onde fui pela
             introspectivos, com mais pesquisa, mais poéticos,   primeira vez e achei incrível, daria para fazer toda uma
             o que não significa que sejam menos importantes. É   bienal só com artistas de lá, é uma cena muito forte.
             o caso do trabalho de Volkan Aslam, comissionado   A curadoria de uma bienal é um processo no tempo, que um dia
             para a Bienal, muito representativo do que muitas   termina, já criar uma obra é um processo no espaço, que perma-
             pessoas, especialmente as jovens, sentem, que é   nece. Como vocês diferenciam estas duas tarefas?
             o desejo de voltar à normalidade do dia-a-dia, ao   Curar uma bienal é trabalho que nos consome muito,
             enrolar um cigarro, beber um café, escrever uma   de um momento para outro você se vê envolvido de
             carta...                                        situações políticas a conseguir patrocínio, definir logos,
             Na mostra de fato há muitas obras que tratam da estabilidade   espaços. É um monstro. E, nestes últimos seis meses,
             e instabilidade do lar, como as pinturas de Andrea Joyce   praticamente paramos de produzir nosso trabalho, tanto
             Heimer, que representa lares enlouquecidos.     que estou com medo de voltar ao ateliê (risos).
             E nós não sabemos para onde isso vai, toda essa   Creio que essa é a primeira vez que uma bienal está pronta quase
             insegurança não está sendo sentida só aqui, mas em   um mês antes da abertura, essa é a maneira escandinava de se
             muitos lugares do mundo e ainda estamos pensando   produzir uma bienal?
             em como reagir a toda essa estupidez dos líderes   Superneurótico, como os filmes do Bergman, você quer
             políticos, dos altos escalões da política internacional.   dizer (risos), com toda a culpa protestante... Bom, uma
             Mas para isso precisamos tomar o nosso tempo,   coisa que a gente traz como artista é essa experiência
             insistir em nossas identidades, nossos modos de   pragmática, afinal nós já participamos de muitas bie-
             se expressar, sem sermos forçados, como artistas,   nais, e sabemos que para colocar de 60 a 70 projetos
             intelectuais e acadêmicos, a dar uma resposta rápida   é preciso tempo. Tivemos um fantástico time também
             como “hooligans” (torcedores fanáticos).        e, talvez isso se relacione às dificuldades do momento,
             E o artista brasileiro Victor Leguy, como você chegou ao   houve uma energia positiva incrível em torno da bienal,
             trabalho dele?                                  de todos os técnicos, assistentes, voluntários, como se
             Para ser honesto, eu vi o trabalho dele pela primeira   todos quisessem que algo bom acontecesse.
             vez no Instagram. (risos). Além dele, também desco-  Como vocês começaram a fazer curadoria?
             bri Andrea Joyce Heimer no Instagram, mas nunca   Nós nunca sentimos de fato uma oposição entre práticas
             a encontrei, apesar de nos comunicarmos muito.   artísticas e curatorais. Quando começamos, no início
             Com Victor, eu consegui ir visitá-lo em São Paulo e   dos anos 90, em Copenhague, não havia uma cena
             logo depois de conhecê-lo, percebi que realmente   comercial e tão pouco uma cena institucional, então
             gostaria de trabalhar com ele. É um artista com   tudo era possível e tudo dependia de nós. Criamos
             tantos níveis, que aborda questões sociais, usa   nossas exposições, revistas, performances, espaços
             readymades, o que é bastante raro. Esse trabalho   expositivos, festivais.
             que ele apresenta aqui, no qual mistura objetos que
             encontra com histórias pessoais, é algo que muitos   Mas é raro esse reconhecimento tanto como artistas como cura-
             fazem, mas do jeito que ele trabalha, cobrindo partes   dores. Essa é a primeira bienal, não é?
             em branco, é uma excelente forma de apontar como   Sim, e deve ser a última. (risos) Mas, sabe, foi natu-
             a sociedade apaga partes significativas da cultura,   ral, pensando novamente em Copenhague. Naquele
             transforma tudo em quase a mesma coisa, é quase   momento, era quase a única opção pensar em tudo como
             uma forma escandinava de falar de monocultura.  um “gesamtkunstwerk” (obra de arte total).


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