Page 10 - ARTE!Brasileiros #39
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O DESAFIO ESTÁ EM
NÃO PARAR DE PENSAR
POR PATRICIA ROUSSEAUX, DIRETORA EDITORIAL
SEM DÚVIDA, o circuito da arte sempre sofreu, sofre e sofrerá de
uma certa esquizofrenia que, por incrível que pareça, cumpre parte
da sua condição de existência.
Consome-se o consumo que denuncia, consomem-se obras que
denunciam o valor de mercado e consomem-se artistas que ironizam
o mercado enquanto suas obras estão cada vez mais valorizadas, até
porque, certamente, expressam uma trajetória de trabalho firme.
Estamos inseridos num ecossistema econômico internacional que dita
definitivamente as leis da compra e venda. Ponto. A questão não é esta.
A questão é o que cada um tem a dizer e não recua em relação a isso, e
o que o outro tem a ver, ouvir, refletir, deletar, esquivar, comprar ou não.
Enquanto alguns artistas trabalham a matéria, pesquisam, arquivam,
pintam ou esculpem, outros estão focados em dizer o que lhes importa
como arte: denunciar, através de velhos e novos suportes ou mídias,
o ecossistema onde estamos inseridos.
A documenta 14, o evento até hoje mais importante da arte contem-
porânea no mundo, espaço sempre utilizado para ver tendências
e repensar o papel da arte no mundo e que acontece a cada cinco
anos na cidade de Kassel, Alemanha, se estende, desta vez, a Atenas,
na Grécia, justamente como parte da provocação, que questiona,
segundo seu diretor artístico, o curador polonês Adam Szymczyk,
“o conceito de identidade, pertencimento, raízes e propriedade em
um mundo que está visivelmente em colapso”.
O filósofo e escritor Paul Preciado afirma em um texto que faz parte
do Parlamento dos Corpos, um dos programas da exposição: “Como . FOTO: PAT KILGORE
se pode produzir uma crítica dentro de uma megamostra em uma
economia neoliberal globalizada? Somos forçados a abraçar contra-
dições. Pode o museu ser usado contra seu próprio regime patriarcal
e colonialista de visibilidade? Podem as tensões entre Atenas e Kassel
ser usadas como um espaço crítico para pensar uma ação artística
alternativa e projetos ativistas além do conceito de estado-nação e
corporações? Como se produz ação através da cooperação? Vamos
falir, mas vamos tentar”.
Estas são apenas algumas das diversas situações nas quais o pensa-
mento artístico fala e traz à tona o lugar que a arte cumpre não só DETALHE DA OBRA SEM TÍTULO , 2015, DE FERNANDA GOMES, MADEIRA, TINTA , 40 X 49,5 X 9,5 CM
como um veículo para a mensagem política, mas sim como um ato
de resistência em si mesma. Essa certa esquizofrenia permite estar
dentro e de dentro poder falar. A arte serve para isso, para criar e
semear, para permitir um contato com algo que ajuda a nos deslocar
de imperativos na sociedade em que convivemos.
Que o digam, nesta edição, páginas e páginas sobre um movimento
que não para.
Boa leitura.
Book_POR_ARTE39_v1.indb 10 03/05/17 19:43