Page 67 - ARTE!Brasileiros #37
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“EU CREIO QUE NENHUM DOS SENHORES nunca poderia
apontar atos ou atitudes da gente indígena do Brasil que
colocaram em risco seja a vida, seja o patrimônio de qual-
quer pessoa, de qualquer grupo humano neste País. E hoje
nós somos alvo de uma agressão que pretende atingir na
essência a nossa fé, a nossa confiança de que ainda existe
dignidade, de que ainda é possível construir uma sociedade
que sabe respeitar os mais fracos, que sabe respeitar aque -
les que não têm o dinheiro para manter uma campanha
incessante de difamação… Que saiba respeitar um povo
que sempre viveu à revelia de todas as riquezas”, afirmou,
em discurso na Assembleia Nacional Constituinte de 1987, o
líder indígena Ailton Krenak, ao mesmo tempo que pintava
o próprio rosto com tinta preta de jenipapo. “Um povo que
habita casas cobertas de palha, que dorme em esteiras no
chão, não deve ser identificado de jeito nenhum como um
povo que é inimigo dos interesses do Brasil, dos interesses
da nação, e que coloca em risco qualquer desenvolvimento.
O povo indígena tem regado com sangue cada hectare
dos oito milhões de quilômetros quadrados do Brasil. E os
senhores são testemunha disso”, concluiu Krenak, já com o
rosto inteiro pintado. Tão impactante quanto a fala, o gesto
de tingir a própria face explicitava que a resistência indígena
não se dá apenas no discurso, mas, principalmente, na per-
sistência de suas práticas culturais, incluindo aí a pintura
corporal e o uso dos mais variados adornos e artefatos.
O breve e memorável discurso de Krenak está apresentado
em um vídeo de pouco mais de três minutos, na exposição
Adornos do Brasil Indígena: Resistências Contemporâneas,
em cartaz no Sesc Pinheiros até 8 de janeiro de 2017. Con-
cebida a partir de uma parceria entre o Sesc e o MAE (Museu
de Arqueologia e Etnologia da USP) e com curadoria parti-
lhada entre Moacir dos Anjos e a equipe do museu, a mostra
coloca em diálogo adornos indígenas de diferentes épocas
e trabalhos de importantes artistas contemporâneos. Fun-
damentada na percepção do adorno enquanto elemento
de resistência e luta pelo direito à identidade – não apenas
como objeto de embelezamento ou enfeite –, a exposição
propõe um diálogo entre o acervo etnológico do MAE e a
produção de artistas que, mesmo sem origem indígena,
tratam de temas caros a estes povos. “A ideia não é colocar
um universo simbólico submetido ou reduzido ao outro. Os
artistas contemporâneos não estão ali simplesmente para
espelhar questões trazidas pelos artefatos indígenas, nem
FOTO DE PAULO NAZARETH DA SÉRIE estão ali para fazer um discurso completamente paralelo,
GENOCIDE IN AMERICA (2012-2015) afastado do acervo. Nossa tentativa foi justamente criar uma
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