Laura Lima, "Desejo". Foto: Divulgação.

Com o circuito de arte fechado ao público por conta da Covid-19, o espaço expositivo deu lugar a lives e outras propostas que fervilham na internet. Mostrar agora é pensar o presente e o futuro, trocar ideias, conhecimento, conteúdo. Esse caminho trilhado por Lost In Translation, a primeira exposição virtual da galeria A Gentil Carioca, é fluído, utópico, com liberdade de indagação total.

Marcio Botner, artista e um dos proprietários da galeria, quer entender o momento e aliar-se, conceitualmente, aos artistas, intelectuais, galeristas para encarar essa travessia. A mostra pode ser entendida como algo que ainda deve acontecer, como o projeto Desejo, de Laura Lima, que está em sua cabeça, meio em suspensão, como ela diz. “Se conseguir fazer, será um trabalho com pessoas. Quando penso neste projeto, lembro de Dennis Oppenheim desenhando sobre a parede e seu filho fazendo simultaneamente o mesmo desenho nas suas costas.” A era espacial marcou profundamente o imaginário artístico, não só no cinema. Desejo inclui um astronauta flutuando sem gravidade, com o corpo enviesado quando visto da terra, como nas imagens da Nasa, com o tripulante fora da espaçonave. Laura quer se conectar com o espaço sideral e promover a observação de seus desenhos, feitos na web, a partir da terra. 

Sopro e meditação se entrelaçam na obra de Maria Laet, uma artista que trabalha o silêncio como medida de seu tempo. A coletiva destaca uma instalação sonora imersiva, além do filme/obra A Medida da voz, que pensa o espaço e o tempo da voz. Com personalidade tranquila, ela constrói uma dinâmica físico psíquica de movimento e imobilidade, próxima aos modelos da cultura oriental. Oito vozes reverberam de dentro para fora de oito vasos de barro – dispostos em círculo e enterrados até a superfície -, criando sons contínuos e monitorando a respiração. Maria Laet faz poesia sem texto.

A questão relevante do videoclipe rap Ladainha do Morto, de Cabelo, são os fragmentos de ideias que formam um arquivo sociológico vivo de um Brasil desigual, racista e indiferente. Este é um dos melhores trabalhos de Cabelo que musica, grava e interpreta um poema de Gerardo Mello Mourão, pai do artista Tunga, criado para o projeto Luz com Treva, com disco, show e exposição.

Numa perspectiva poética, a performance Caminhada Silenciosa em Veneza, de Vivian Caccuri, explora várias formas de percepção de uma cidade. Vinte pessoas que não se conhecem, caminham juntas em silêncio, por oito horas. Tal operação, sem conversas, provoca mudanças na percepção dos participantes sobre o território onde circulam. O silêncio deles filtra o som do entorno, mesclado por um arranjo de vozes e ruídos diversos. O projeto já foi apresentado no Rio de Janeiro e essa troca de topografia agregou a ele novos territórios simbólicos e imagéticos.

Proximidade e afeto circundam o universo de Maxwell Alexandre, que também é levado às outras margens pelo cotidiano desafiante do lugar onde vive e trabalha. Ele tem ateliê na comunidade da Rocinha, frequentado por amigos, críticos e diretores de museus. Conhecido por suas pinturas de grandes formatos, coloridas e matéricas, em Lost in Translation ele propõe uma instalação limpa, com poucos objetos, contaminada por elementos constantes na paisagem familiar. Uma piscina de lona plástica azul Capri, muito vista nas lajes das casas da comunidade, e vários espelhos modelo Romeo. A instalação é interativa, com a participação do público que é convidado a ficar descalço e a caminhar pelas águas desse projeto de tom mítico, com narrativa construída a partir da experimentação do artista. 

Ideias possíveis giram em torno do projeto de Rodrigo Torres que sutura o tempo, estendido pelo isolamento, com uma produção manufaturada e terapêutica que mescla reflexão, religião e arte. Colar das Horas é uma espécie de terço ou cordão de meditação que se reporta também ao passado do artista, quando era religioso e via na oração um momento de introspecção. Cada conta é feita com argila e papel para enrolar maconha, com tamanho natural de um colar comum. ”Se transformado em instalação terá cerca de 30 metros de altura, adaptáveis ao espaço da galeria.”

Urbanismo, território e transformação espacial seguem na pauta de Jarbas Lopes. Seu projeto O Trecho Inaugural MAM, Rio Janeiro é uma versão evolutiva da proposta original de 2001, Cicloviaérea, “ciclovias elevadas do chão” e confirma a arte como agente para repensar cidades. Proposta diferente das ciclovias que cortam as cidades por todo o mundo, Cicloviaérea propõe o uso lúdico da bicicleta, em pista suspensa, tornando-se mais que um transporte, um prazeroso momento de lazer.

O conceito de inclusão da arte na cidade é bem mais amplo do que se imagina. João Modé escolheu o centrão do Rio de Janeiro para intervir com o projeto Extensores, que envolve cinco longas cordas que se conectam sobre a claraboia d’A Gentil Carioca e são amarradas a alguns prédios vizinhos, próximos ao mercado a céu aberto Saara. O trabalho do artista é constituído por materiais que possam se infiltrar pela cidade e provocar a percepção das pessoas para situações que não se revelam no tecido urbano. 

A opção de mostra virtual veio para ficar e Márcio Botner comenta que a iniciativa teve resposta positiva não só dos artistas, mas também de críticos e intelectuais. Com início o site da galeria em manutenção, as viewing rooms estão disponíveis neste link.

 

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