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Julio Villani apresenta duas mostras em São Paulo

Obra de Julio Villani na exposição da Galeria Estação. FOTO: Divulgação

O artista Julio Villani apresenta, simultaneamente, duas mostras individuais em São Paulo, ambas com abertura neste sábado, dia 15 de junho: Por um Fio, na Galeria Estação, e Alinhavai, na Galeria Raquel Arnaud.

Por um Fio reúne um conjunto de esculturas que remetem às formas de corpos e rostos de animais, criadas com objetos de uso cotidiano – como panelas, conchas e peneiras – e peças de madeira, arames e fios.

“Do bestiário de Artur Pereira aos bichos de Lygia Clark, da Baleia de Graciliano Ramos ao Burrinho Pedrês de Guimarães Rosa, não faltam animais prodigiosos na arte brasileira. Cumpre agora integrar as criaturas de Julio Villani a essa fauna – tomando-se, porém, o cuidado de preservar sua singularidade no seio dessa família imaginária”, escreve Samuel Titan no texto de apresentação da mostra.

Segundo ele, as obras são herdeiras de certo surrealismo parisiense, mas parecem nos remeter às memórias sensoriais de um menino do interior. Vale lembrar que Villani, que hoje vive entre Paris e São Paulo, nasceu na cidade de Marília, no interior do estado São Paulo,

Alinhavai, por sua vez, reúne na Galeria Raquel Arnaud pinturas (acrílica, carvão e kaolin sobre tela), desenhos, bordados, objetos, esculturas, brinquedos e colagens que envolvem o espectador pela linha, tão presente na obra de Villani. Segundo Titan, em texto sobre a mostra, os fios e linhas que Villani traça (estica, pendura, estende) servem para ligar (vincular, amarrar, enlaçar), para sugerir constelações de seres, formas, regiões da experiência que pareciam apartadas até então.

A Galeria Raquel Arnaud apresenta, no mesmo período, outras duas individuais, Fragmentos, de Carlos Zilio, e Vocabulário para Fixar Vertigens, de Raúl Díaz Reyes.

Por um Fio
Galeria Estação – Rua Ferreira de Araújo, 625, Pinheiros
De 15 de junho a 27 de julho

Alinhavai
Galeria Raquel Arnaud – Rua Fidalga, 125, Vila Madalena
De 15 de junho a 24 de agosto

 

Tarsila populista

"Batizado de Macunaíma", 1956, Tarsila do Amaral

Partindo de Tarsila a pintura começa a influir na poesia brasileira. O quadro “Abaporu” decide a vocação de Raul Bopp […]; outros do mesmo ciclo suscitarão textos de Mário de Andrade […]. Telas como “Distância”, “A cuca”, “O sono”, “A negra”, viajarão clandestinamente ao longo dos meus Poemas, alternando com obras de Max Ernst, do Primeiro Cícero Dias e do primeiro De Chirico. A pintura pau-brasil e a pintura antropofágica aplainam os caminhos posteriores da poesia. (Murilo Mendes/Poesia Completa. Retratos Relâmpago. P.1250).

O que pretende o MASP ao colocar na mesma sala O Abaporu, 1928, e Batizado de Macunaíma, 1956, ambas de Tarsila do Amaral? Proporcionar ao público, mesmo que por alguns minutos, a convivência com aquele que seria o “início” da trajetória da artista, ao lado do seu “canto do cisne”, ou obriga-lo a vivenciar a experiência de ocupar o mesmo espaço com uma das obras mais importantes da artista, ao lado daquela que marca o seu fim melancólico? Para o público com intimidade com a obra de Tarsila, a segunda opção seria a mais correta. Para esse visitante, a experiência tem um travo amargo, pois aquela convivência ganha laivos de perversidade, maldade mesmo, para com a artista. Já para o público comum essa experiência possui outro grau de perversidade. Colocar no mesmo espaço as duas obras significa ensinar que ambas se equivalem, possuem o mesmo vigor estético, a mesma importância histórica.

A importância de Abaporu está no fato de que essa pintura – rompendo com a bem-comportada pintura brasileira de sua época –, introduzia uma iconografia disruptiva que, borrando os limites do bom-gosto da tradição, trazia à tona um ser mitológico terrível, vindo das entranhas do inconsciente da artista e do coletivo. Tal força foi o que teria catalisado os interesses de Tarsila, Oswald de Andrade e Raul Bopp a forjarem o Movimento Antropofágico – vertente que colocaria (e ainda coloca) a arte do Brasil em um patamar mais elevado no âmbito cultural internacional.

Batizado de Macunaíma repete em chave “estilizada” a tradição da grande pintura ligada às academias, preocupadas em enaltecer os sentidos de “Pátria”, “Nação” e outras instituições, a partir de episódios significativos, quer da história oficial, quer da mitologia etc. Neste sentido, ao pintar Batizado de Macunaíma, Tarsila parece ter desejado elevar o personagem criado em 1928, por Mário de Andrade, ao patamar de um símbolo. Símbolo do que? Provavelmente da institucionalização definitiva pelo qual o Modernismo de São Paulo passava durante aquela década do IV Centenário da cidade. Se Abaporu significa o romper de algo novo entre nós, Batizado é simplesmente o travestimento do novo em instituição, em norma. As duas obras possuem semelhanças porque aquela de 1956 foi produzida em “estilo” modernista. Ou seja, Tarsila copiou a si mesma, trivializou, cristalizou em estilemas aquilo que nos anos 1920 era pura experimentação.

“Abaporu”, 1928, Tarsila do Amaral.

Mas para o MASP parece não haver problemas em colocar lado a lado duas obras que, apesar das aparências, são a negação uma da outra. Assim agindo, a instituição naturaliza o artifício, agregando ao legado de Tarsila a ser celebrado e rememorado, aquilo que restou nos porões das instituições públicas ou mostrado com certo pudor em paredes particulares. Digo isso porque essa estratégia de mostrar joio ao lado de trigo, é uma constante em toda a exposição da artista no MASP e não apenas na sala comentada. Paisagens emblemáticas de Tarsila, por exemplo, produzidas no auge do seu período mais proteico, são exibidas ao lado de arremedos de si mesma, produzidos décadas mais tarde. O público com um pouco mais de intimidade com sua oba entende essa atitude do Museu como um equívoco ou como uma ação articulada para ajudar no processo de exumação do “outro lado” da produção de Tarsila. Já o público em geral, esse para o qual (supostamente) a exposição foi produzida, sai da mostra acreditando que tudo o que ele viu é digno de reverência, que todos os trabalhos ali apresentados possuem a mesma potência estética e a mesma importância para a cultura do país.

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Uma alternativa para fugir à apresentação de todos os lados de uma artista como Tarsila, seria optar em apresentar apenas as obras que, de fato, a tornaram significativa para a arte brasileira. Apenas com boas obras, textos e outros materiais de apoio, o público sairia da mostra com uma compreensão mais clara sobre como Tarsila foi, aos poucos, ganhando o status de principal artista da primeira metade do século passado. Porém, se a meta é apresentar igualmente o seu lado “obscuro”, com certeza a melhor estratégia não deveria ser essa utilizada pelo MASP: neutralizar diferenças profundas entre as obras, mostrando-as lado a lado, ou então na mesma sala. Por que não apresentar as obras menos felizes de Tarsila e explicar – a partir dos parâmetros não só da história da arte, mas da própria realidade formal de cada uma delas – as razões que as tornam diferentes daquelas reconhecidamente basilares para a arte brasileira? Na certa tal opção encontraria oposição ferrenha de colecionadores, galeristas, diretores de museu etc. Com certeza a mostra resultaria mais diminuta, porém mais honesta para com o público.

Misturar alhos com bugalhos definitivamente não é fazer uma “Tarsila Popular”, é apresentar uma Tarsila “populista”, uma exposição, talvez, mais preocupada em agradar aos patrocinadores e em atender às agruras do mercado; jamais para suprir as gritantes necessidades de educação artística da população.

Valter Hugo Mãe: “Na generosidade das palavras, e na dificuldade das artes plásticas, cresci”

Valter Hugo Mae
O autor é o homenageado da Fliaraxá 2019. Foto: Fronteiras do Pensamento / Greg Salibian

O escritor Valter Hugo Mãe é, além de um dos nomes mais queridos da literatura lusófona, um amante das artes plásticas. Ele tem criado e divulgado ilustrações em suas redes sociais e, inclusive, já ilustrou uma edição de sua obra O paraíso são os outros.

Nascido em Angola quando ainda colônia, mas criado em Paços Ferreira, em Portugal, ele já alcançou também, com sua obra, diversos países para além da língua portuguesa, como a Croácia, a Colômbia, Israel, Sérvia e Irlanda, dentre outros. Neste ano, o autor é o homenageado do Festival Literário de Araxá, em Minas Gerais, carinhosamente apelidado de Fliaraxá, que acontece entre 19 e 23 de junho. Além de Valter, a feira se debruça sobre a vida e obra de Machado de Assis, patrono do evento em 2019.

A convite de Afonso Borges, criador e curador do Fliaraxá, Valter criou uma série de ilustrações para a identidade visual do festival. Desde pequeno, conta o autor, diziam que ele seria pintor quando crescesse: “Mas isso não aconteceu. Nas palavras, por outro lado, eu vivia surpreendido”.

À ARTE!Brasileiros, ele conta um pouco sobre sua aproximação das artes plásticas e sobre como ela se encaixa hoje em sua vida. Além disso, o autor comenta sobre as pautas de educação e cultura na atual situação política brasileira:

ARTE!Brasileiros – Quando sua conexão com as artes plásticas começou?

Valter Hugo Mãe – Quando era menino, constantemente me diziam que cresceria para ser pintor. Eu passava a vida desenhando. Na verdade, secretamente pensava que as palavras seriam mais importantes e vivia frustrado porque a mão não conseguia pintar o que eu queria ver. Desenhava muito na esperança de haver um traço puramente milagroso que revelasse alguma maravilha. Mas isso não aconteceu. Nas palavras, por outro lado, eu vivia surpreendido. Minha cabeça ficava suspensa sobre um verso. Como se a alma subisse para lá do corpo e observasse o mundo espantada.

Nesta generosidade das palavras, e na dificuldade das artes plásticas, cresci. Usando palavras e adiando as artes até hoje.

“Na verdade, secretamente pensava que as palavras seriam mais importantes e vivia frustrado porque a mão não conseguia pintar o que eu queria ver”

As formas que você trabalha são mais desenhos e pinturas?

Eu desenho com uns pinceis muito malucos que têm seu depósito próprio para tintas de água. É coisa de artista meio preguiçoso ou inexperiente. Vivo obstinado. Levo comigo para o café e fico repetindo formas até que elas pareçam melhores. Até saber fazer algo que não sabia até então. É muito desafiador. Com o tempo, a mão, afinal, encontra pequenas coisas, certas conquistas que, na minha idade, não são mais arte, são apenas uma curiosidade.

Tenho a impressão de que algumas pessoas fora de Portugal encaram seus trabalhos com artes plásticas apenas como se fossem uma espécie de hobby seu, sendo que tudo faz parte de todo um trabalho. Você já realizou inclusive exposições e ilustrou seus próprios livros. Você tem essa impressão às vezes? O que diria sobre isso?

Sou, de verdade, um amador, alguém que ama as artes plásticas e tenta fazer algo por graça. Fiz uma exposição há doze anos. Farei outra este ano. Não quero que considerem que faço parte dos artistas, quero que vejam como um escritor que cria umas figuras malucas que podemos ver. Talvez poéticas, talvez divertidas, sobretudo, seria a minha glória, que se entenda que busco algo muito intuitivo que não corresponde a sabedoria alguma, a escola nenhuma, será decorrente de uma necessidade de ficar livre. De criar uma expressão que me ofereça a liberdade possível.

Para a Fliaraxá 2019, da qual você é o homenageado, você criou todo um projeto de artes visuais. Como foi o convite para fazer essas ilustrações e como foi fazê-lo?

Culpa do Afonso Borges que viu um pequeno pássaro e pediu que eu inventasse algo. Inventei um Machado de Assis e um Valter Hugo Mãe que juntei em algumas poses. Eu sorri desenhando. São como desenhos de criança. Muito simples. Eu não saberia fazer nada mais complicado. Eu queria apenas que o Afonso me garantisse fazer sentido. Não era, não seria nuca, para mim, uma questão aparecer como artista plástico no festival (ou em lugar algum). O Afonso gostou e considerou divertido. O projeto avançou.

Tem vontade de expor aqui no Brasil?

Não sei se devo. Expor aqui junto a casa [em Portugal] posso dizer que é para juntar a família. Expor no Brasil vou parecer querendo mais do que posso querer. Mas adoro desenhar. Quem sabe, tão obstinado como sou, se dentro de uns anos acredito valer a pena?

A capa de As mais belas coisas do mundo, um dos livros que você está lançando agora no Brasil pela Biblioteca Azul, traz na capa uma arte do Nino Cais. Que outros artistas brasileiros você acompanha? E pelo mundo?

Eu acompanho muitos. No Brasil, além do Nino, eu sou maravilhado pelo Eduardo Berliner. Ele fez as imagens de quatro romances meus na Biblioteca Azul. Ele não é normal, é absolutamente excepcional. O Alex Cerveny também. Que maravilha suas linhas, seus animais.
Depois, há uma infinidade com quem nunca trabalhei mas por quem suspiro, desde o Vik Muniz à Adriana Varejão, ao Ernesto Neto, Cildo Meireles, Regina Silveira, ou aos já falecidos Tunga (que génio) e Artur Bispo do Rosário. A arte brasileira é de uma vastidão generosa e fascinante. Sigo querendo saber.
No plano internacional, eu sou admirador de alguns bem obscuros, como David Tibet, Laurie Lipton, Odd Nerdrum e Fatima Ronquillo, ou dos já clássicos Bosch, William Blake (uma das minhas paixões mais absolutas), e Bacon. Em Portugal, permita-me destacar, por exemplo, entre vivos e mortos, Artur do Cruzeiro Seixas, Vihls, Álvaro Lapa, Graça Morais, Paula Rêgo, minha amiga Isabel Lhano, Juan Domingues e os desenhos de José Rodrigues. Enfim. A lista deveria ser muito, muito mais extensa.

“Professores e mais professores são os bravos soldados de todas as nações”

Observando o engajamento seu em solidariedade às questões que envolvem a educação e a arte na política do Brasil hoje, não poderia deixar de pedir para que você falasse um pouco sobre como tem visto tudo isso.

Lamento profundamente que, depois de se tornar o país prometido do século XXI durante o primeiro tempo de Lula, o Brasil venha sucumbindo à corrupção ao ponto de perigar todos os direitos conquistados. Lamento profundamente que as coisas mais óbvias sejam hoje colocadas em causa, como a educação e a cultura. Penso ser aberrante que se possa duvidar acerca da importância da educação. Só pode ser demência ou gesto bandido justificando o ataque ao ensino. A cultura, que gera identidade, autoestima, inventimento, é sujeita constantemente a ataques, no entanto, não há como acabar com a pulsão para a criação. A arte vai existir sempre e vai sempre esperar a liberdade. Já a educação, se for eliminada, é eliminado o próprio país. Porque um bando de ignorantes será tão-só um grupo animal devorando o que foi feito, sem saber produzir nada. Sem saber contribuir, nem para o presente, nem para o futuro. A democracia é educação. Sem distribuir por todos o acesso à escola você NUNCA alcançará justiça alguma. O fortalecimento das pessoas acontece pela instrução. Só isso pode potenciar cada pessoa ao ponto de dizermos que, dentro de sua específica diferença, cada um viveu uma oportunidade igual. Cada um é igual. Não existam dúvidas acerca disso. Progresso é escola. Democracia é escola. Liberdade é escola. Futuro é escola. Humanidade é escola. Professores e mais professores são os bravos soldados de todas as nações. Seus ofícios são os de salvar o futuro.

A “Sertão Art” of experimentation and resistance

Maxwell Alexandre, Trem Caravelas de Hoje, 2016

What would be a “sertão art”? In the perspective proposed by the curator Júlia Rebouças for the 36th Panorama of Brazilian Art, the concept refers more to a way of thinking and acting than to the geographic and cultural place that we usually associate with the word “sertão”. The public who visit the Museum of Modern Art of São Paulo between August 17 and November 15, therefore, will not find a show about the Brazilian semi-arid or with artists born in it, but rather an exhibition that has “experimentation and resistance” as some of its pillars.

It is, according to Rebouças, “a way of thinking that understands a context and tries to relate to it; which creates solutions from what is available; which does not yield, for example, to the pressures of a hegemonic system, but which will try to find fissures in the classical flows of power”. The curator also refers to an artistic production that “has speculated not only on alternative circuits, but also on other materialities, other authorship relations and collaborations with different disciplines and fields of knowledge”.

It was from this idea of “sertão art” that Rebouças selected the 29 participants from the different regions of the country, most of them born between the 1980s and 1990s. “A generation that has not yet had a great institutional show to their work or have had little room to make their  debate happens”, she says, raising current issues about, for example, structural racism and police violence, use of public space, indigenous and environmental causes, gender issues, and the existence of other possible spiritualities.

With a majority of commissioned works, the exhibition brings together works by Ana Lira, Ana Pi, Ana Vaz, Antonio Obá, Fulni-ô Cinema Collective, Cristiano Lenhardt, Dalton Paula, Daniel Albuquerque, Desali, Gabi Bresola & Mariana Berta, Gê Viana , Gervane de Paula, Lise Lobato, Luciana Magno, Mabe Bethônico, Mariana de Matos, Maxim Malhado, Maxwell Alexandre, Michel Zózimo, Paul Setúbal, Yandê Radio, Randolpho Lamonier, Raphael Escobar, Raquel Versieux, Regina Parra, Rosa Luz, Santídio Pereira, Vânia Medeiros and PokaRopa Vulcanica. Read below the full interview with curator Júlia Rebouças.

Dalton Paula, As Plantas Curam, 2017
Dalton Paula, As Plantas Curam, 2017

 

 

ARTE!Brasileiros – On the subject of this Panorama, you have already pointed out that with “backwood” it does not necessarily intend to deal with the caatinga, the semi-arid or the states that make up the Northeast, but rather a “sertão art”. What is this “sertão art”?

Júlia Rebouças – The first place is to think of the sertão not as a theme, but as a concept. Because a theme you illustrate, you react to it, and that’s what I’m trying to escape. I think it important to think sertão not only as a cultural place or matrix, but as a way of thinking. And it is in this sense that I speak in a “sertão art”, which I think is a way of thinking that engenders experimentation and resistance; who understands a context and tries to relate to it; which creates solutions from what is available; which does not yield, for example, to the pressures of a hegemonic system, but which will try to find fissures in the classical flows of power. So to speak of an art that has sertão as epistemology is also to ask what practices we are talking about. So I’m here speculating about what those ways of thinking and acting would be, but I’m also trying to find in artists’ practice the places they point to.

And what answers have you found?

It has an aspect that appears in several works in the Panorama that has to do with thinking of art as a mechanism of healing, returning to some issues and wounds that have remained in history, in relationships. They are artists who propose, through their works, either a repair or a process of re-elaboration of historical questions. For example, Dalton Paula, Antonio Obá and Ana Pi. There is another aspect of this sertão epistemology that has appeared that has to do with a certain reverence to the mystery. An understanding that not everything is explained by language, that science does not account for everything, that reason does not reach all things and that there is a set of knowledge, practices and sociabilities that work from what we do not know and does not explain. This manifests itself in spirituality, but simply in that tacit knowledge of knowing that there are things that we exchange and that will never be worked out are in the subtle field.

And when I speak of a “sertão art”, I am also thinking of this half-indomitable feature of the sertão, which is a characteristic I also see in art. However much we try to classify, surround, dominate, control or structure in front of the sertão, this is always a failed task, because the sertão always escapes, it is always something different. It is only to think of all the attempts of the Brazilian culture itself to define what was sertão, from the novel of 1930 to the new cinema. And the sertão can not be defined. There is always a trace of stereotype, or a specific cut, or a look from the outside. And that I think is a feature of art as well. You can conceptualize, delimit, institutionalize and commodify art, but something always escapes. When you realize, the art is beyond. And all the time we are having to update and rework what is art, what are artistic practices, how art deals with power, with politics, with the system. So I think that art has this sertão quality, to be somehow uncolonizable. Although it can be colonized, it has some force of it that does not allow itself to be apprehended.

Does this have to do with their interest in contemplating a production that also exists outside established institutional and marketing circuits?

I think artists have speculated not only on alternative circuits, but also on other materialities, other authorship relations, collaborations with different disciplines and fields of knowledge. And I think that’s by concept what I mean by “sertão art”. Of course they have artists who work in the galleries, with more classical supports, but I do not think that simply by being in the gallery they can not be questioning and seeking other ways of existing and acting. Maxwell Alexandre, for example, is an artist who engages in galleries, exhibits in museums and institutions, but at the same time is always straining, seeking other ways to exist outside of these media – in the community where he lives, for example.

And there are artists who are in university, others who sometimes do not even recognize their practice as artistic practice. So I find this a very interesting place to observe, very pulsating of what we are calling a production of experimentation and resistance. That is not necessarily an opposition to the system and to the market, because I find it interesting to get things done all the time. And it is part of this practice to seek other forms of existence that are not submitted. This is what I think that matters, you are not subject to the dictates of the market, the institutions or the wishes of the healers.

Professor Durval Muniz says that the sertão is a multiple experience, although it tends to be narrated from certain clichés. Does your proposal have considers fighting cliches and stereotypes around the idea of the sertão?

Yes, because it is not “over” the sertão. When we talk about the sertão as a theme, it has this place of reiteration of an image and an identity that are part of a political project, done largely for the submission of the sertão itself or the Northeast itself – since the sertão and the Northeast are often treated almost synonymous. So it is crucial to escape from this, not to reiterate these clichés. To some extent I think it would be important to talk about some fundamentals of a Northeastern production or very important artists that are in the semi-arid, but I resisted it. Because I thought that would be the easiest way, to try to pass on this direct production, this direct image. And when we look, for example, we have the exposure to the Northeast, which I even joked about as if it were the theoretical foundation of Panorama. We have the book by Durval, the play A Invenção do Nordeste, which won the Shell Award, the book À Cidade by Mailson Furtado, we have Flip also talking about this theme. So I think these clichés and the need to deconstruct them, this is put, is in the debate. And I wanted with Panorama to take a step in another direction, to think of the sertão not as this set of images and affections, but as this way of thinking and existing.

Mariana de Matos, Vão, 2017

Mariana de Matos, Vão, 2017

And speaking more directly of the artists, how was the choice of these 29 names?

I tried to identify artists who already had a “sertão practice”, rather than picking people up and making them react to a featured theme. Of course, every selection is partial, limited. There are a number of other artists I could be working with. But, anyway, I wanted to have some regional diversity because I find it important to do the exercise of looking at less obvious places, and there was an exercise to try to break this structure a bit in which the exposures are mostly made by white men. Then there are more non-whites than whites and more women than men. This was not exactly a goal, but I think everyone who works today has to worry about another type of representation. And I think that in those places, which are less visible or less represented, is where normally, by nature, there is more experimentation and resistance. More of this “sertão art”.

When you speak of resistance, it is impossible not to think about the political context we are living in, with a conservative government and very forceful speeches against art and culture. Is Panorama’s curatorial line also a kind of response to this?

I think Brazil is in a very critical moment in terms of politics, in its social relations, in the way of building its places of affection and the possibilities of meeting. Not to mention the more structural issues with regard to culture. But I do not think Panorama is an answer, because it’s all very old and at the same time very new. Especially during the election period, it was very clear that it is necessary to reorganize, that any strategy of opposition to this government needs to be reworked, because many tactics and practices have been overcome, overcome. And I think this is about art as well, to think how art will react. I think any immediate reaction will be superficial and superficial. What is sometimes necessary in the heat of the moment, but I think perhaps this Panorama will try to discuss more what would be a tactical thought or strategies of reorganization of that resistance than to bring answers or offer a frontal and direct confrontation. Many artists are making a diagnosis of what is happening in the present, but many are speculating on ways to exist. They are talking about how dissident bodies will be able to exist from now on, how they have existed up to that moment, how to make a historical reparation, how to degrade practices of violence and oppression. I think that, in this sense, it is also a desire that it be a propositional exposition, not with solutions or answers, but with notes, trying to organize a little these affections of a rally and the need to exist before the dismantling.

Do you fear any kind of negative or violent reaction, considering what we have seen happen in Brazil in recent years?

We do not work in fear or with any kind of restriction. Of course, any reactionary structure is afraid of art. They are the ones who are afraid of creation, of imagination, of critical thinking. This becomes very clear when the focus of attack is not only art, but education, science, universities. Only an extremely reactionary project needs so strongly to disqualify and dismantle the possibilities of creation. In fact, it is very logical that this government is afraid of everything that generates the new, that sets us in motion. And we already understand that in front of factoids and lies there are terrible lynchings. So I am dealing with very powerful content, very rich, but I do not think they are more dangerous to be attacked, more likely to be censored, because anything is liable to be attacked and censored, especially the lies created. Many of these issues created around art are false issues, they are invented polemics. So we can not work thinking about it, we have to work thinking about what needs to be done.

A Curatorship

Vista de parte da exposição que está em cartaz no SESC 24 de Maio.
Vista de parte da exposição que está em cartaz no SESC 24 de Maio.

By Aracy Amaral

A CURATORSHIP  IS NOT AN EASY TASK TO BE CONCEIVED. Especially if the number of participants is extensive, the space difficult, and great reluctance to leave aside all that could be selected.  Especially when focusing on an exhibition such as À Nordeste, currently at SESC 24 de Maio.  Region vast in creativity, the yearning, one realizes, was to include everything!  Even if with difficulty of apprehension by the visitors of what is exposed.  The idea is that nothing should escape from the curators, even if it is not digestible by the visitor, that feels wrapped in a whirlwind that pushes the eyes and ears down all the expressions of Northeastern creators not distinguishing none in particular.  Thus, popular expressions, string, figurative painting, concrete painting, conceptual art, video, at all levels

and dimensions involve the visitor violently.  Which feels physically and visually engulfed by the difficulty of the space cluttered in trying – in vain – to privilege one or another creator with a look that is lost by the labyrinthine assembly that is proposed to us.

The cumulative display system is preferred by some healers – but not all.  And we have doubts about the correctness of this point of view.  The good visibility of an included work should be a concern.  Thus, suddenly discovering, in the midst of an exhibition like this one of Sesc 24 de Maio, the Retirantes by Portinari, from the MASP collection, is a surprise.  As well as seeing a small Sérvulo Esmeraldo at the same time that we confessed the difficulty in locating Brennand, João Câmara, or Miguel dos Santos.

And suddenly we find Montez Magno, among a crowd of unexpected diversified creators, with no logic of presentation in space.  The oppisite to the long-awaited exhibitionism that attracts a multitude of heterogeneous visitors who deserve a clear orientation to come out with a notion about the artistic expression in a region so extensive and broad in its creativity.  Maybe this show settles before how one should not make an exposition (and could not have been divided into steps according to the diversity of languages?).  In fact, curatorship is not an easy task to be conceived.

O lugar da arte

Barbara Wagner e Benjamin de Burca, Swinguerra, 2019
Barbara Wagner e Benjamin de Burca, Swinguerra, 2019

É cada vez maior a inclinação dos artistas para se conectar com seu entorno e, de alguma maneira, trazer na sua obra uma reflexão permanente sobre o momento que lhes toca viver.

Esta não é nenhuma novidade, tanto é que, ao longo da historia e em todas as épocas a realidade puxou as rupturas e foi ela que impulsionou a construção de muitos movimentos artísticos e obras icônicas na história da arte.

É o caso da “Guernica” de Picasso, que imortalizou o bombardeio da cidade espanhola, das telas de Portinari sobre os imigrantes ou das imagens do apreço pela violência norte-americana nas telas de Andy Warhol, para citar exemplos até distantes em suas concepções.

Mas se isto sempre foi assim o que mudou?

Ao longo do tempo sempre houve escolhas estéticas e éticas, na intenção do artista e na recepção do espectador. Quando o filósofo e crítico de arte Richard Wollheim, em seu livro A Arte e seus Objetos, discute se as obras de arte não seriam “qualquer coisa além de objetos físicos” , ele afirma que “a intenção antecipa a visão de representação”.

O que muda em cada época, no meu entendimento, é como o artista tenta traduzir sua inadequação à sua época. Artistas costumam ser inadequados explícitos e a “representação artística” parece ter sido, ao longo da história humana, o melhor caminho para “ser no mundo” e “encontrar um lugar de fala”. À beira do abismo, no delírio ou na negação, artistas traduzem de uma ou de outra forma algo que nos conta deles e de nós.

Porém, esta ideia que aparentemente estaria mais do que internalizada no Século XXI – após a ruptura das primeiras vanguardas há cem anos-, parece ser questionada hoje, não pela crítica acadêmica e sim pelo “homem neoliberal”, que aposta “na adequação”, em um mundo “moldado exclusivamente para ele”, em um mundo nos condomínios, cercado de garantias e certezas. Um homem que não vê nem sofre com a degradação do planeta, com a violência crescente produto da cada vez maior desigualdade social.  Um homem que não vê nem quer saber do outro.

Esse homem não quer saber de ARTE.  Ele só escolhe espelhos. Ele só valoriza objetos físicos que, de preferência, não o perturbem de forma alguma e lhe tragam paz de espirito.

Aqui, falamos de ARTE.

Acervo Histórico do VideoBrasil integra exposição na Coreia do Sul

João GG videobrasil coreia
Montagem de trabalhos do artista João GG. FOTO: Instagram/Ilmin Museum of Art

Com a intenção de abordar questões que giram em torno de crises ecológicas ocorridas no período Antropoceno, o Ilmin Museum of Art, em Seoul, na Coreia do Sul, promove a mostra Dear Amazon: BRAZIL X KOREA THE ANTHROPOCENE 2019. A exposição parte de uma preocupação urgente sobre as pautas ambientais que assolam os dois países e fica aberta ao público até 28 de agosto.

Solange Farkas, diretora da Associação SESC VideoBrasil, ficou responsável pela curadoria de uma das três partes da exposição, um programa de filmes e apresenta vídeos pertencentes ao Acervo Histórico do VideoBrasil, que incluem artistas brasileiros como Nuno Ramos, Ana Vaz, Thiago Martins de Melo, Cao Guimarães e Lucas Bambozzi.

A exposição busca refletir de forma filosófica, política e social sobre como as consequências do desmonte em relação ao meio ambiente podem se relacionar apesar das diferenças entre Brasil e Coreia. Para isso, os trabalhos e as discussões em torno da mostra se desenvolvem também em um imaginário pós-apocaliptíco, que poderia se originado por um colapso ecológico nível global.


Dear Amazon: BRAZIL X KOREA The Anthropocene 2019
no Ilmin Museum of Art
até 28 de agosto

 

Fotógrafos peruanos Martín Chambi e Irmãos Vargas ganham mostra em Fortaleza

fotgrafia de Martín Chambi. FOTO: Divulgação

Com fotografias de três dos mais importantes nomes da fotografia peruana do século 20, a exposição Estúdio de Arte Irmãos Vargas encontra Martín Chambi ocupa, a partir do início de junho, o espaço expositivo do Museu da Fotografia Fortaleza (MFF).

Com curadoria de Diógenes Moura, a mostra apresenta mais de 100 fotografias de Martín Chambi e dos irmãos Carlos e Miguel Vargas Zaconet, todas em preto e branco e realizadas entre 1912 e 1941. No período, o Peru passou por grandes transformações políticas e sociais, tendo como principais polos artísticos as cidades de Lima, Cuzco e Arequipa.

Segundo o curador, as fotografias revelam, de modo poético, a vida do povo peruano no início do século passado. Todas as obras fazem parte da coleção do museu, que reúne o maior acervo da América Latina sobre os irmãos Vargas. Inaugurado em 2017 com a coleção Paula e Silvio Frota, o MFF apresenta, ainda, uma exposição permanente.

 

Estúdio de Arte Irmãos Vargas encontra Martín Chambi
Museu da Fotografia Fortaleza – Rua Frederico Borges, 545, Varjota
Entrada gratuita

Julio Villani participa de coletiva na Abadia de Thoronet

Artista participa de exposição coletiva com Oliver Beer, Marc Couturier e Jean-Marc Ferrari.

Morando em Paris desde a década de 80, o brasileiro Julio Villani é um dos artistas que integram a exposição … Et l’obscur, na Abadia de Thoronet, na Provence, no sul da França. A mostra é organizada pelo Palais de Tokyo, que utiliza o prédio do século 12 para realizar atividades.

Em 2019, Villani já havia realizado uma exposição substanciosa na Galerie RX, em Paris. Em POINT À LA LIGNE, entre março e abril, ele apresentou uma série de trabalhos com traços que “são um meio de colocar a criação em movimento e tornar as fronteiras instáveis”, que transitaram entre a pintura, a escultura, a colagem e o bordado.

Na Abadia de Thoronet, construção que abrigou a ordem monástica Cisterciense a partir do século 12, Julio leva uma grande peça em bordado (On ne peut penser la clôture de ce qui n’a pas de fin), instalado de forma que ficasse atrelado ao teto de um dos cômodos do prédio, que costumava ser o dormitório, como um grande céu. É a maior obra nesse formato que o brasileiro já produziu, que reflete sobre “o sono de uma comunidade adormecida”.

 

Em texto sobre a exposição, o curador e crítico Jean de Loisy questiona: “Alguns dos círculos bordados apresentam interrupções da linha de onde os fios de lã escapam alargando aqui e ali as margens do trabalho para o chão: eles descem dos elementos bordados ou vão até eles? Quem, pano ou visitante, alimenta o outro em sonhos?”. Além dessa intervenção, Villani criou um objeto de tubos de bronze com fio encerado, posicionado no teto da igreja, “uma intervenção quase diáfana, que depende de reflexo da luz nas varetas para ficar visível”, o artista explica.

Outros três artistas, Oliver Beer, Marc Couturier e Jean-Marc Ferrari também ocupam outros espaços do edifício na exposição. A proposta do Palais de Tokyo em levar artistas para ocuparem a abadia com seus trabalhos é orientado pela ideia de que as obras possam dialogar com a arquitetura do espaço, mas também com a memória espiritual em torno do local.

No Brasil, o artista terá duas exposições simultâneas que abrem no dia 15 de junho, uma na Galeria Raquel Arnaud e outra na Galeria Estação. Para a primeira galeria, ele leva bordados, pinturas e outros formatos, enquanto na segunda apresentará suas esculturas.


… ET L’OBSCUR
na Abadia de Thoronet, em Provence, França
até 22 de setembro

 

Coletiva na Bergamin & Gomide questiona o uso da sátira e dos estereótipos

Tiago Carneiro da Cunha (1973) Banana, 2019
Tiago Carneiro da Cunha, Banana, 2019

A exposição A Burrice dos Homens, na galeria Bergamin & Gomide, propõe uma reflexão aberta sobre o uso da sátira e dos estereótipos, como pontos de partida para observações críticas acerca de dinâmicas sociais arraigadas que precisam ser reavaliadas. Ela parte de uma série de conversas da curadora Fernanda Brenner, diretora do espaço Pivô, com o artista Tiago Carneiro da Cunha, O título da exposição é inspirado pela obra A Burrice dos Homens, do paulista José Antônio da Silva.

Para Fernanda, em texto de apresentação, a exposição sugere “uma procura compartilhada por artistas de diferentes gerações que (…) optam por habitar a tênue linha entre o cômico, o trágico, o melancólico e o sedutor quando se propõem a representar e a discutir criticamente os códigos visuais que constituem uma ideia de identidade cultural brasileira ou, mais amplamente, da região que se convencionou chamar de América Latina no mundo globalizado e do chamado “circuito internacional da arte contemporânea””.

Na exposição, o público pode conferir obras de artistas de várias épocas, como Adriano Costa, Amadeo Luciano Lorenzato, Ana Prata, Artur Barrio, Cabelo, Cristiano Lenhardt, Glauco Rodrigues, Ivan Cardoso, Ismael Nery, Jac Leirner, Jarbas Lopes, José Antonio da Silva, Leda Catunda, Martin Kippenberger, Oswaldo Goeldi, Rogerio Reis, Tiago Carneiro da Cunha, Wilma Martins e Yuli Yamagata.


A Burrice dos Homens (curadoria de Fernanda Brenner)
Galeria Bergamin & Gomide 
até 20 de julho de 2019