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Da esquerda para a direita, acima, Claudinei Roberto da Silva e Vanessa Davidson, abaixo, Cristiana Tejo e Cauê Alves. Foto: Divulgação
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Fachada do Mam-SP, no Parque Ibirapuera. Foto: Karina Bacci/ Divulgação

“Sob as Cinzas, Brasa”: o título escolhido para a 37ª edição do Panorama da Arte Brasileira do Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, que abre as portas no dia 23 de julho, já dá pistas claras do partido adotado pela equipe curatorial do evento. Além de evidenciar o interesse em iluminar as intensas contradições, ausências e paradoxos que marcam a cultura brasileira, a frase remete simultaneamente às pulsões conservadoras e às potências criativas, que convivem e marcam a cena artística nacional. Impossível não remeter às tragédias do Museu Nacional, Cinemateca Brasileira e também a outros incêndios mais metafóricos como o desmonte das estruturas culturais do país, nem tampouco ignorar que sob mantos de invisibilidades e interpretações mais sedimentadas e oficiais reside uma força incandescente que deve ser resgatada.

Há também nessa frase condutora uma referência evidente à centralidade da questão nacional para qualquer reflexão sobre os rumos das artes e para o debate em torno de temas como formação, desenvolvimento e cultura nacional. Afinal, advém do termo brasa (derivada da árvore pau brasil, primeiro produto explorado na região pelos colonizadores) o próprio nome do país. “As formas não estão separadas da política, da ideologia”, afirma Cauê Alves, atual curador-chefe do MAM-SP e que juntamente com Cristiana Tejo, Vanessa Davidson e Claudinei Roberto da Silva concebeu o projeto da exposição.

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Da esquerda para a direita, acima, Claudinei Roberto da Silva e Vanessa Davidson, abaixo, Cristiana Tejo e Cauê Alves. Foto: Divulgação

A seleção de artistas concebida ao longo do último ano, em encontros semanais e intenso diálogo entre os participantes, ainda é segredo. Os nomes dos convidados a participar da exposição só serão divulgados em abril, porém já é evidente a busca pela diversidade e a proposição de um olhar ao mesmo tempo histórico e prospectivo. A força simbólica das celebrações do bicentenário da Independência e do centenário da Semana de 22 cria uma oportunidade incontornável de rever mitos assentados e propor novas leituras sobre o nosso passado. “É um ano paradigmático, um momento interessante para repensar nossos ciclos históricos”, afirma Cristiana. “É importante saber de que tradição estamos falando e nosso desejo é dialogar com tradições silenciadas, negligenciadas”, complementa Claudinei Roberto. “A proposta incorpora também a ideia de renascimento, algo que renasce como fênix das cinzas”, acrescenta Vanessa.

Segundo a curadora norte-americana, que há anos pesquisa a arte da América do Sul, a mostra será estruturada em torno de diferentes núcleos temáticos, que compõem um percurso muito interessante e diverso, abordando diferentes aspectos da produção passada e recente, como a questão das simbologias políticas das cores; a forte relação da produção artística nacional com a terra, o solo, o barro e a busca por artistas que têm saberes de um Brasil profundo; ou ainda a reflexão a partir dos símbolos de poder e opressão, como o Borba Gato. Há também no projeto do Panorama uma intenção clara de recuperar o caráter panorâmico da evento, que desde 1969 se esforça em mapear a produção artística contemporânea e dar espaço para reflexões curatoriais bastante diversas. “Buscamos resgatar uma visada ampla e generosa para o entorno, para a paisagem humana e cultural do país”, sintetiza Cauê.

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O MAM-SP durante o 36o Panorama da Arte Brasileira. Foto: Karina Bacci/ Divulgação

Evidentemente, a prospecção de novas poéticas foi dificultada pela pandemia (que também forçou o adiamento por um ano da mostra bienal), mas segundo os curadores foi possível criar outras possibilidades de circulação e diálogo e o fato de atuarem em conjunto, de forma horizontalizada, contribuiu para isso, ampliando as referências, já que cada um deles parte de um ponto de vista particular. “Nesse caso dois mais dois é mais do que quatro”, brinca Cauê.

Claudinei Roberto, por exemplo, traz para o grupo uma experiência potente de investigação, como artista e curador da arte negra, periférica, que coloca em questão os cânones estabelecidos. “Precisamos ir para a periferia para aprender e não para colonizar”, afirma ele, lembrando as gritantes diferenças encontradas nesse leque amplo de poéticas. Como atesta o terrível fato de que um dos artistas negros selecionados tenha precisado trabalhar durante as madrugadas envasando álcool gel e de dia como motoboy, enquanto muitos se resguardavam em quarentena.

Cauê Alves e Cristiana Tejo, curadora independente pernambucana e que atualmente reside em Lisboa já fizeram conjuntamente a curadoria do 32º Panorama, em 2011, que tinha por tema a ideia de deslocamento, de viagem, algo ironicamente impossível nos dias atuais. Uma certa desaceleração impôs-se, com reflexos inclusive sobre o calendário da mostra, que terá uma duração estendida, de seis meses, para ampliar o público, permitir um trabalho mais aprofundado com o educativo e de disseminação virtual do evento.

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