Por Alexia Tala, curadora e crítica de arte

 

A arte contemporânea tem se apresentado como um espaço fértil para desmontar as formas pelas quais a representação absorve e expõe uma geografia, sendo um lugar propositivo ao lidar com a relação entre território e conhecimento. Entre essas coordenadas se situa o trabalho de Nicole Franchy, que trabalha através das formas históricas de tais representações, dando espaço para nos interrogar sobre as ideologias que estão por trás da construção do conhecimento.

Esse interesse pela dimensão ideológica das imagens históricas do território significa, nas obras de Franchy, um envolvimento absoluto nelas, refazendo-as a partir da coleta e uso de diferentes arquivos. Combinando fontes e tempos, a artista cria o que ela chama de “paisagens associativas” ou “geografias políticas”, fontes como cartões postais e livros científicos que vão da antropologia à astronomia.

São imagens recriadas a partir da ficção, paisagens cheias de enigma porque apesar de reconhecer tipografias, motivos de gravuras, lugares e conteúdo de texto, não podemos distinguir com exatidão a natureza do que vemos. São imagens que mesclam uma densidade histórica com toques apocalípticos, onde plantas, palmeiras ou prédios arquitetônicos são abundantes, e onde a artista coloca em diálogo passado, presente e futuro. O artista chega aos documentos através de uma busca dos sistemas de conhecimento hospedados, isto é, como depósitos de tempo: em cada imagem há uma maneira de ver e perceber o mundo.

Assim, a artista arma e desarma as imagens por meio da apropriação. A estratégia que une seus trabalhos é a colagem, que é apresentada tanto em instalações quanto formatos bidimensionais. Em ambos, seja espacialmente ou por meio de uma única imagem, percebe-se a importância das camadas na montagem: a imagem vai se expandindo em camadas, privilegiando os fundos transparentes, que criam um efeito de integridade e profundidade. Nessas paisagens, apesar de serem o produto de múltiplos documentos ou fragmentos, isto é, de certa forma cumulativos, são calculados e configurados de maneira tão visual que é sempre integral.

No trabalho Vacío Tropical (2018), a artista apresenta instalações em painéis de couro ou vinil transparente sobre os quais dispõe o conteúdo de páginas de enciclopédias, um arquivo etnográfico mostrando como a Europa examinava o continente. A artista inclui as imagens das silhuetas de indígenas com os rostos cortados. Em Ocaso (2017), Franchy radicaliza o fictício da paisagem em suas colagens em larga escala, onde constrói imagens que misturam construções com espaços invertidos.

Mas a hierarquia anteriormente silenciosa de sua origem é desviada no trabalho através de estratégias visuais e materiais que são expostas, ao contrário, à abertura. Esta abertura tem a ver com um refazer que a desaponta, a secciona e a exibe desnaturalizada. Um desses materiais tem sido as enciclopédias, que abrigam esses problemas de natureza epistemológica, contendo a agência que distribuiu à sua maneira as formas de assimilar os territórios.

Assim, a geografia, as formas em que foram fixadas em outra época, é o caminho para ativar uma crítica pós-colonial que demonstra a dimensão construtiva dos imaginários culturais no Ocidente. O resultado mostra as tensões entre o natural e o artificial, por meio de uma paisagem imaginária, onde o local aparece perturbado pelos elementos europeus. Os tempos estrangeiros e as geografias perdidas são articulados através de composições que insistem na “repetição” dos arquivos, estes precisam ser reiterados para vislumbrar a presença do poder.

 

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