In Bloom project: Marcelo Dantas, Makoto Azuma e tradutora, em diálogo com Marina Aguerre

Esse projeto tem como objetivo olhar para o mapa do mundo do Século XXI a partir de um outro ângulo, que não o tradicionalmente ditado pela supremacia da cultura eurocêntrica ou americanista, tradicionais detentores do poder econômico global. BienalSur pretende criar um encontro de vozes que contêm uma história de descolonização para outros, que queiram ouvir, trazendo fundamentalmente a arte contemporânea como pivô, com propostas de projetos que reflitam sobre nossa cultura e uma nova geopolítica.

Na ocasião foi debatido, em Buenos Aires, a importância do processo na obra hoje, possibilitado pelas novas tecnologias sobre a obra e a função da arte contemporânea. Participaram das conversas o artista brasileiro Waltércio Caldas, o curador brasileiro Marcelo Dantas, o artista japonês Makoto Azuma e a artista alemã Mariele Neudecker, que trabalha com química, meio ambiente e escultura. Também participaram colecionadores que estão abrindo suas coleções na África.

Os encontros são feitos ao longo de dois anos em diversas cidades e são sequenciais. Em cada ocasião, BienalSur apresenta uma ou duas exposições centrais em paralelo.  Na data deste encontro, foram escolhidas uma retrospectiva em homenagem a artista argentina Graciela Sacco, falecida de forma repentina, e uma retrospectiva da trajetória da brasileira Anna Bella Geiger.

A seguir, publicamos trechos do texto Anna Bella Geiger en dialogo con Diana Wechsler, de julho de 2017. Publicado originalmente no livro-catálogo da exposição Anna Bella Geiger, Geografía física y humana, com curadoria de Estrella de Diego. A mostra ocorreu por ocasião da parceria do Centro de Arte Contemporâneo, de Sevilla, La Casa Encendida, de Madrid e o MUNTREF Centro de Arte Contemporáneo, de Buenos Aires, instituição que forma parte essencial da Plataforma BienalSur.

Em primeira pessoa…

Drawing has a quality of permanent
openness, renewal, and revelation. 
It is a “via directa” to my thoughts,
an X-ray of my work

Anna Bella Geiger, 1997

Os caminhos da vida são narrados várias vezes. Artistas de variadas e extensas estradas, como Anna Bella Geiger, têm forjado ao mesmo tempo, sua carreira e a narrativa que a organiza no tempo.

Cada história incorpora matizes diferentes. Não obstante, o que os une é a voz de quem as revela, no caso, Anna Bella, que enfatiza os fatos fundamentais, momentos de ruptura, obsessões e continuidades. Essas identidades que a compõem e de onde elas operam.

Diana Wechsler: Anna Bella, você começou muito jovem sua carreira. O que te levou a escolher o caminho das artes visuais? O que foi relevante na tua formação? Quero dizer, você lembra de algum fato especialmente marcante, qualquer escolha que pode ser lida à distância como uma indicação de seu desenvolvimento. Por exemplo, digamos que o desenho é um leitmotiv de teu trabalho. Isto tem a ver com a tua formação ou como uma relação que pode ser estabelecida entre o desenho e o pensamento? Ou talvez em ambos termos…

Anna Bella Geiger: Desenho com lápis desde que eu tenho dois anos. Depois pintava as paredes do meu quarto. Me lembro muito bem o desenhava e que ficava pensando como eu poderia terminar o desenho. Acho que quando traçava um gesto ou uma linha determinada, de alguma forma tinha já tinha uma percepção do desenho e do pensamento. Eu ainda não sabia disso, mas eu já tinha encontrado o meu caminho.

Em 1945, quando estudava no liceu francês, aqui no Rio de Janeiro – tinha doze anos e a segunda guerra mundial ainda não tinha acabado -, colocar um anúncio no painel da escola: “alunos, cadastrem-se para o concurso de cartazes ‘Como imaginam a cidade de Paris liberada’”. Isso me comoveu muito, porque eu já sabia o que estava acontecendo na guerra, o que estava acontecendo com a minha família na Europa. Eu pensei sobre o que eu ia desenhar com as três cores da bandeira francesa. Baseada em uma fotografia que tinha visto, eu desenhei o piso e a estrutura da Torre Eiffel com lápis preto e adicionei dois jovens de mãos dadas, uma mulher e um homem, vestidos de uniforme azul escuro com laços azuis e gravata vermelha. E eu escrevi “LIBERTÉ”.

Um mês depois, meus pais receberam uma carta pelo correio informando-lhes que eu tinha ganhado o prêmio; o embaixador da França me deu.

Em 1949, comecei a estudar com Fayga Ostrower – uma artista alemã de origem polaca, refugiada – em seu pequeno estúdio em Santa Teresa. Embora eu era muito jovem, com ela, aprendi a entender a arte em seu sentido político e social. No início foi muito difícil…

DW: No que diz respeito a recursos visuais, abrangendo seu trabalho, sua carreira tem conseguido muito diferentes técnicas: do desenho à pintura através do vídeo, colagem, etc. O que representa para cada um de vocês destes meios? Você poderia identificar a escolha de colagem ou o vídeo ou qualquer outra técnica, com a intenção específica de cada obra em particular?

ABG: entre 1949 e princípios de 1953 – ainda na oficina de Fayga, que, durante esse período, foi para a abstração lírica – aprendi a desenvolver o sentido estético da arte e entender meu próprio processo e meu compromisso com o sentido específico do modernismo. Isso é algo que consegui experimentando com diferentes estilos, que iam do expressionismo figurativo alemão até a escola da Bauhaus, mas, para mim, o mais importante foi o estudo teórico e prático dos cubismos. Tudo isso no tempo e no espaço me permitiu criar um caminho próprio que me levaria para a abstração, corrente na qual trabalhei durante quinze anos.

Em 1953 participei da Primeira Exposição Brasileira de Abstrata de Petrópolis, mostra histórica realizada no Hotel Quitandinha.

Durante esse período participei em muitas outras exposições e bienais nacionais e internacionais. Em 1962 me deram o Prêmio Internacional de Gravura de La Havana, na Casa de las Américas.  Me mantive trabalhando com rigor na abstração até 1966.

Sempre abordei a utilização dos materiais da mesma forma, tradicionais ou não: como meio, não como fins em si mesmos. Como os meios que nos ajudam a mover as ideias de um lado para outro. O faço experimentalmente, quase como se não conhecesse as técnicas.  Meu objetivo sempre é alcançar a possibilidade de realização da ideia, seja através de desenho, pintura, gravura, colagem, a encáustica, fotografia, objetos tridimensionais ou vídeo.

Em 1969 consegui dar forma à necessidade do uso de imagens em movimento no meu trabalho nos meus dois primeiros filmes de Super-8.  Em 1972, apresentei no MAM-RJ minha exposição Circumambulatio, que incluiu uma obra audiovisual (uma combinação de som e slides) e um filme de Super-8 que se mostrou no MAC-USP em 1973. Naquele momento, o vídeo não me parecia uma boa opção porque me obrigava a retornar a imagens em baixa resolução e preto e branco. Além disso, se locomover era difícil; uma câmara Porta Pack da Sony que pesava quase quarenta quilos. A única vantagem era a gravação direta de som e imagem junto e em tempo real.  Mesmo que fossem insuficientes, essas possibilidades me faziam pensar em questões de outra natureza conceitual. Além disso, tinha o looping – uma repetição sem fim que era ainda um recurso inédito.

DW: Em que medida tua obra expressa teu lugar no mundo? Mulher, artista, mãe, judia, Brasileira, etc, identidades que te habitam?

ABG: Sim, todas essas identidades me habitam. Às vezes, elas se revezam, mas nunca é uma única identidade. Em primeiro lugar, gostaria de fazer uma observação: para viver sob uma ditadura 21 anos, os artistas brasileiros tinham o compromisso de se manifestar. Por isso, não levantamos nesse momento outras bandeiras, por exemplo a do feminismo. Acho que esse espaço é não pensar, ou para expressar uma opinião sobre esses pontos de vista. A partir de 1968, o que prevalecia era a recuperação das liberdades fundamentais; o direito de voto e a dignidade do cidadão; pelo boicote às regras que regiam nossas ações em bienais, exposições e concursos, onde se proibia qualquer obra política ou pornográfica; pelo direito de ir e vir, que era essencial para o intercâmbio de informações entre artistas.

Acho que meu trabalho no final da década de 1960 e 1970 juntava várias questões, como a necessidade da ação política, que na minha poética era combinada num constante questionamento sobre o significado, a natureza e a função própria do objeto, ou seja, a arte. Além disso, me preocupava minha função como artista num momento como esse.

Para mim, nunca se trata de uma discussão crítica sobre o ambiente tradicional contra a transgressão. Às vezes, a natureza política do meu trabalho se expressa com metáforas e outros sentidos polissêmicos. Aí o caráter brasileiro se enfatiza, e, por sua vez, leva a uma intensa busca pela identidade que se expressa em obras como Brasil nativo / Brasil alienígena, uma série fotográfica com 18 cartões postais que fiz em 1976 e 1977, para enviar aos meus amigos.

Estas imagens incluem minhas duas filhas, filhas de Suiá indígena do Alto Xingu, outra Índia que trabalhava na minha casa e a senhora que lavava minha roupa com a filha.  Depois eu fiz O pão nosso de cada dia.

Nos anos 70, voltei para a pintura. Pintava mulheres. Minhas mulheres sempre representavam as denominadas “raças formadoras do Brasil”, uma branca, uma negra, uma mulata e uma indígena. Pareciam estar assustadas. Às vezes ausentes, com um olhar ambíguo que as diferenciava do conjunto.

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